A representação do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) ao Ministério Público, alegando que um painel exposto em São Paulo é uma manifestação antissemita, destaca, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estadão, a necessidade de reforço da fiscalização por parte da Prefeitura sobre a divulgação e a exibição de outdoors e painéis na cidade. A imagem questionada por Kim pede “Palestina livre, do rio ao mar”, não reconhecendo a existência do Estado de Israel no território localizado entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, informou que grafites e pinturas em murais são permitidos pela Lei Cidade Limpa e que existem regras específicas sobre o tema. A secretaria também comunicou que não é necessária autorização prévia para esse tipo de instalação, mas destacou não ser “permitidas referências ou mensagens de cunho ofensivo a grupos religiosos, étnicos, culturais ou discriminatório, sob pena de caracterizarem ilícitos penais de discriminação ou preconceito. A pasta afirmou ainda que a “realização de intervenções artísticas é sujeita à fiscalização das instâncias competentes e à consequente aplicação das sanções cabíveis”.
Em 2006, a Prefeitura de São Paulo aprovou a Lei Cidade Limpa que regula a instalação e a exibição de outdoors e painéis publicitários, além de estabelecer normas para a publicidade exterior na cidade, com o objetivo de reduzir a poluição visual e preservar a paisagem urbana, conforme explica o advogado Pedro Henrique Mazzaro Lopes, especialista em direito administrativo pela FGV-SP.
“A legislação foi pensada à época como forma de controlar a poluição visual da cidade, não permitindo o ‘congestionamento’ visual pelo acúmulo de anúncios nas ruas, prédios e outdoors. Todo e qualquer anúncio deve ser submetido à Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU)”, diz.
O advogado explica que a responsabilidade pela fiscalização e cumprimento da Lei Cidade Limpa em São Paulo é das subprefeituras locais, que atuam em suas respectivas regiões. As subprefeituras monitoram e fiscalizam o cumprimento da legislação, podendo aplicar multas aos infratores e coordenar a remoção de anúncios e estruturas publicitárias em desacordo com a lei.
Em sua avaliação, é importante que, em qualquer processo de implementação de uma política pública, existam mecanismos para garantir seu cumprimento, o que não se observa na cidade de São Paulo.
“O que se mostra em levantamentos feitos pela imprensa com base em dados da própria Prefeitura é que houve uma diminuição enorme nas autuações realizadas. Isso poderia significar duas coisas: que a cidade finalmente se conformou com o novo paradigma da Lei; ou que a fiscalização está falha. Ao andar pela cidade, percebemos o aumento das ostensivas publicidades, apresentadas dos modos mais criativos possíveis para burlar a legislação, o que pode sinalizar a falta de uma fiscalização efetiva”, pontua.
Na mesma linha, o urbanista e professor da USP, Nabil Bonduki, aponta que é necessário um maior efetivo de agentes no município de São Paulo para garantir uma fiscalização mais adequada e efetiva. “Se não tiver mais agentes não tem como dar conta”.
Painéis artísticos
No caso dos painéis artísticos, Pedro explica que, também em 2016, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), por meio da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), publicou uma resolução que regulamenta a realização de intervenções artísticas em bens públicos ou privados.
“A principal preocupação foi impedir que as intervenções artísticas se tornassem uma espécie de publicidade disfarçada e ressaltar que não poderia conter teor ofensivo, pornográfico ou discriminatório ilegal”, reforça.
Em regra, murais e painéis com conteúdo artístico não exigem autorização prévia quanto ao conteúdo, mas a instalação física pode precisar de autorização dependendo do tamanho e da localização, conforme a Lei Cidade Limpa.
O advogado destaca que, no caso de um painel artístico com conteúdo considerado impróprio, a fiscalização geralmente ocorre de forma reativa e não proativa. Em outras palavras, a Prefeitura atua principalmente após a instalação do painel, com base em constatações de irregularidades ou denúncias.
Nabil Bonduki, por sua vez, ressalta que a prefeitura deve exercer um controle rigoroso sobre o conteúdo após a sua publicação, especialmente se houver indícios claros de crime.
Na mesma linha, a doutora em direito administrativo pela UFMG Cristiana Fortini pontua que, embora não haja um controle formal preventivo, deve existir uma fiscalização mais rigorosa para identificar conteúdos irregulares.
Entenda o caso
Como mostrou a Coluna do Estadão, Kim acionou o MP por entender que um painel exposto na esquina da Avenida Paulista com a Consolação, em São Paulo é uma manifestação antissemita. A imagem pede “Palestina livre, do rio ao mar”. De acordo com o Instituto Brasil-Israel, trata-se de uma expressão antissemita porque não reconhece a existência do Estado de Israel no território localizado entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo.
O artista que assinou a imagem é Kleber Pagu, produtor cultural e conselheiro suplente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Por meio de sua assessoria, Pagu comunicou que a obra foi finalizada neste domingo, 18.
“Originalmente, o mural incluía a frase ‘do rio ao mar’, em referência ao contexto de apartheid que existe no Estado de Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados (Cisjordânia, Jerusalém Oriental incluída, e Gaza), logo, espaço compreendido do rio ao mar, onde mais de 40 leis israelenses discriminam os palestinos. Contudo, Pagu optou por remover a frase devido a interpretações distorcidas que estavam sendo manipuladas para criar falsas tensões raciais.
O artista reafirma que sua obra não visa questionar o reconhecimento do Estado de Israel nem promover sentimento antijudeu, também designado ‘antissemitismo’”, diz trecho da nota enviada à reportagem.
Além de Kataguiri, a representação também é assinada por outros integrantes do Movimento Brasil Livre: o deputado estadual Guto Zacarias, o suplente Renato Battista e a candidata a vereadora Amanda Vettorazzo, todos do União Brasil.
Na manifestação, à qual o Estadão teve acesso, os autores da denúncia argumentam que a frase “Do rio ao mar” incita a violência contra o Estado de Israel, além de negar o direito de autodeterminação do povo judeu. A representação solicita que o Ministério Público tome as medidas legais cabíveis contra o autor do grafite, Kleber Pagu, incluindo ação penal por crime de racismo.
Ao Estadão, o parlamentar afirmou que fez a representação “porque é inaceitável termos uma pintura antissemita gigante estampada no meio da cidade de São Paulo” e completa que “pregar a destruição do Estado de Israel é um atentado não apenas contra os israelenses, mas contra todo o povo judeu, já que Israel é o último refúgio para a população judaica”.
Por meio de nota, o MP informou que ainda não localizou a representação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.