BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro elevou neste domingo, 19, o tom do confronto com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e, diante do Quartel- General do Exército, pregou o fim da “patifaria” em uma manifestação que pedia intervenção militar no País. Com microfone em punho, Bolsonaro subiu na caçamba de uma caminhonete e fez um discurso inflamado para seguidores que exibiam faixas com inscrições favoráveis a um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985), e gritavam palavras de ordem contra o STF e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“Nós não queremos negociar nada. Queremos é ação pelo Brasil”, disse Bolsonaro, aplaudido por centenas de manifestantes. “Chega da velha política! (...) Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder. Vocês têm a obrigação de lutar pelo País de vocês”.
Dezenas de cartazes sugeriam fechamento do Congresso e do Supremo, além de pedidos para que as Forças Armadas ocupassem as ruas. O grito de “Fora, Maia” era um dos mais ouvidos. Em nenhum momento, porém, o presidente contestou os apelos pela volta da repressão. O Estado apurou que militares reprovaram a atitude de Bolsonaro.
O protesto foi visto como preocupante por governadores, prefeitos e pelas cúpulas do Legislativo e do Judiciário, que enxergaram no gesto de Bolsonaro o sintoma de uma escalada autoritária no País, justamente no momento em que ele perde apoio e a pandemia do coronavírus se agrava. “Não temos tempo a perder com retóricas golpistas. (...) No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo”, escreveu Maia, no Twitter. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o ministro do STF Luís Roberto Barroso foi na mesma linha. “É assustador ver manifestações pela volta do regime militar.”
Ainda neste domingo, 20 governadores divulgaram uma carta em apoio a Maia e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Para eles, Bolsonaro está “afrontando os princípios democráticos que fundamentam” a Nação.
Atos foram convocados pelo Dia do Exército
Embora Bolsonaro tenha tentado passar a ideia de que o ato foi de improviso, na esteira de carreatas pela reabertura do comércio, seguidores bolsonaristas convocaram as manifestações pelas redes sociais para comemorar o Dia do Exército. “O Brasil vai parar. Na frente dos quartéis”, dizia uma das convocações, ao pregar a “deposição” do Supremo e de governadores. Além disso, mensagens de WhatsApp traziam endereços de vários quartéis e batalhões pelo País. O texto era acompanhado das hasthags #abaixo STF e #abaixo Congresso Nacional.
Ao chegar nete domingo ao QG do Exército, por volta de 13h30 – após almoçar na casa do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho –, o presidente foi ovacionado por apoiadores. Apesar da recomendação da Organização Mundial da Saúde para que sejam evitadas aglomerações, com o objetivo de diminuir o risco de contágio da covid-19, o apelo não foi respeitado. Muitos bolsonaristas chegaram ao local em carreatas, que pediam o fim do isolamento social e a reabertura do comércio.
Bolsonaro provoca aglomeração ao discursar para multidão que pedia fechamento do congresso pic.twitter.com/IbDCLnNxMp
Presidente tossiu várias vezes
Pelo segundo dia consecutivo, Bolsonaro não poupou ataques aos outros Poderes e se empolgou com o apoio recebido. Parecia mesmo estar em um palanque de campanha. “Contem com o seu presidente para fazer tudo aquilo que for necessário para que nós possamos manter a nossa democracia e garantir aquilo que há de mais sagrado em nós, que é a nossa liberdade. Todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro”, discursou ele, que tossiu várias vezes durante o ato.
Na prática, a ofensiva de Bolsonaro contra o Congresso, o Supremo e governadores que defendem a quarentena tem aumentado de intensidade na mesma proporção de seu isolamento político. Na rampa do Planalto, na sexta-feira, o presidente criticou o Supremo em transmissão ao vivo pela internet e chegou até mesmo a apontar para o prédio da Corte ao lembrar que os magistrados deram autonomia a Estados e municípios para decretarem medidas de distanciamento social. “Estão fazendo o que bem entendem”, disse ele, que também atacou o Congresso. “Não vão me tirar daqui”, afirmou.
Na noite deste domingo, Bolsonaro se reuniu com os ministros da Defesa, Fernando Azevedo; do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, no Palácio da Alvorada. Questionado sobre o tema do encontro, Heleno foi lacônico: “Falamos sobre futebol”. Pela manhã, ao ler a Ordem do Dia, o comandante do Exército, general Edson Pujol, pregou a união do País e classificou a pandemia como “uma das maiores crises vividas nos últimos tempos”.
Distanciamento
Antes de falar com os manifestantes, o presidente voltou a defender a flexibilização do distanciamento social. “A continuar com o fecha geral não está difícil de saber o que nos espera”, escreveu o presidente em sua conta pessoal no Twitter.
Bolsonaro publicou no Twitter a manchete da edição deste domingo do Estado, que informou que 91 milhões de brasileiros - o equivalente a 58% da população adulta do País - deixaram de pagar neste mês pelo menos uma das contas referentes ao consumo de março.Como comparação, no mês anterior, antes dos impactos da quarentena, eram 59 milhões (37%) com contas atrasadas - houve, portanto, um salto de 54% no período.
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