Atualizada em 23 de agosto de 2022: a conclusão da checagem sobre o caixa da Prefeitura foi alterada de "enganoso" para "impreciso"
Líder nas pesquisas de intenções de votos para o governo do Estado, Fernando Haddad (PT) citou dados de sua gestão à frente da Prefeitura da Capital durante sabatina do Estadão nesta sexta-feira, 19. Ele exagerou números sobre investimento público e orçamento de cultura. Veja abaixo a checagem do Estadão Verifica.
Renegociação da dívida pública
O que Haddad disse: que a dívida da cidade de São Paulo com a União caiu de R$ 80 bilhões para R$ 30 bilhões durante sua gestão.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: está correto. Haddad realmente renegociou a dívida da cidade de São Paulo com a União, mudando o indexador e a taxa de juros aplicada. O débito com o governo federal caiu para R$ 29 bilhões em sua gestão. Antes era de R$ 79 bilhões.
Caixa da prefeitura
O que Haddad disse: "Eu renegociei a dívida com a União. A dívida da cidade caiu de R$ 80 bilhoes para R$ 30 bilhoes. E São Paulo ganhou um selo investment grade. Uma cidade que está com as finanças tinindo. Eu que trouxe, mas não é muito comentado. O que aconteceu? O caixa da prefeitura, que era da ordem de R$ 5 bilhões em média, hoje é de R$ 30 bilhoes. Por conta dessa renegociação. R$ 30 bilhoes em caixa."
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. É fato que houve aumento do fluxo de caixa após a renegociação com a economia dos encargos de juros. Mas ao comentar o valor atual disponível nos cofres do município (R$ 30 bilhões em maio), o prefeito não levou em consideração outros fatores que podem ter influenciado o fluxo de caixa após sua saída da prefeitura -- como a pandemia de covid-19 e a pressão inflacionária, o que eleva as receitas de impostos.
Inicialmente, o Estadão Verifica havia classificado essa alegação como enganosa e dito que não houve aumento significativo do fluxo de caixa nos primeiros anos após a renegociação. A assessoria do candidato contestou e enviou análise contábil mostrando que, entre 2017 e 2022, a prefeitura deixou de pagar R$ 10 bilhões (valor corrigido) com encargos da dívida pública. A variação do saldo de caixa com recursos não vinculantes, nos anos posteriores à renegociação, foi menor do que a economia de pagamentos da dívida.
A assessoria também mostrou que a renegociação da dívida representou 80% da variação positiva de caixa livre entre 2017 e 2021. Sendo assim, o Estadão Verifica corrigiu o texto para dizer que realmente houve aumento de fluxo de caixa após a renegociação da dívida. Como o prefeito não considerou o impacto de decisões posteriores à sua gestão no atual valor do caixa, o Estadão Verifica revisou a classificação de "enganoso" para "impreciso".
Investimento da Prefeitura
O que Haddad disse: que, em 8 anos, o investimento público caiu 50% na cidade de São Paulo.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é exagerado. É verdade que houve queda na taxa de investimento da Prefeitura, mas não no patamar citado. De acordo com balanço geral de contas da Prefeitura Municipal de São Paulo, os investimentos somaram R$ 3,86 bilhões em 2013 -- em valores corrigidos pela inflação (IPCA) até julho deste ano, esse montante equivale a R$ 6,55 bilhões. Em 2021, a gestão do município informou o empenho de R$ 3,83 bilhões, ou R$ 4,04 bilhões nos preços atuais. Em valores reais, portanto, a queda de investimento público da prefeitura chega a 38,3%. Fernando Haddad foi prefeito de São Paulo entre 2013 e 2016, sendo sucedido por João Doria (2017-2018), Bruno Covas (2018-2021) e Ricardo Nunes (2021-atualmente).
Recorde de investimento na Prefeitura
O que Haddad disse: que bateu recorde de investimento na prefeitura de São Paulo, sendo o prefeito que mais investiu em 30 anos.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro, considerando os dados disponíveis no site do governo de São Paulo até 1998. Levantamento do Estadão Verifica aponta que a gestão de Fernando Haddad investiu cerca de R$ 15,6 bilhões em valores nominais e R$ 24 bilhões se considerado o reajuste da inflação até junho de 2022. O exercício com maior investimento real -- isto é, corrigido pela inflação -- foi 2014, segundo ano de mandato do petista. Em valores nominais, o recorde aconteceu no ano seguinte.
Marta Suplicy destinou R$12 bilhões para investimentos entre os anos de 2001 e 2004. A gestão de José Serra e Gilberto Kassab, entre 2005 e 2008, contabilizou R$ 14,4 bilhões. O novo mandato de Kassab, entre 2009 e 2012, é o que mais se aproxima de Haddad, com R$ 21,2 bilhões em investimentos. O mandato de João Doria e Bruno Covas, entre 2017 e 2020, chegou a R$ 15,4 bilhões.
Celso Pitta (1997-2000) e Ricardo Nunes (no cargo desde 2021) não têm dados completos referentes a quatro anos, o que impossibilita uma comparação adequada com a gestão de Haddad. Ainda assim, ficam abaixo da média anual de investimento do petista nos documentos consultados pelo Estadão.
A reportagem analisou os balancetes orçamentários disponíveis no site da administração municipal e compilou os dados referentes ao investimento empenhado a cada ano. Com a ajuda da calculadora do Banco Central, o blog fez a correção dos valores de cada exercício pelo inflação geral (IPCA), medida pelo IBGE. A data inicial de referência foi o mês de dezembro de cada ano e a data final, o mês de junho de 2022. Em seguida, foi calculada a soma de investimentos de cada mandato.
Orçamento de Cultura
O que Haddad disse: que o governo do Estado investe 0,3% do Orçamento em Cultura. Em valores absolutos, montante é menor do que o investido pela Prefeitura de São Paulo. O candidato afirmou que investia em Cultura 1,8% do Orçamento durante sua gestão como prefeito.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O orçamento em vigor no Estado de São Paulo para 2022 é de R$ 286,7 bilhões, dos quais R$ 1,14 bilhão é destinado à Secretaria da Cultura e Economia Criativa. Isso significa que 0,40% do orçamento do Estado foi destinado deste ano foi destinado ao setor cultural. Também é falso que o valor absoluto seja menor do que a Prefeitura de São Paulo investe em cultura. O orçamento municipal de 2022, em vigor, aponta que, dos R$ 82,7 bilhões de orçamento para este ano, R$ 643,3 milhões (0,77%) são para a Secretaria Municipal de Cultura.
Embora o valor de 2022 seja de 0,4% do orçamento, a fatia destinada à cultura no Estado de São Paulo realmente girou em torno de 0,3% ao longo da última gestão. Foi 0,35% em 2019, 0,36% em 2020 e 0,39% em 2021.
Também é falso que a Prefeitura de São Paulo tenha investido 1,8% do orçamento em cultura quando Haddad foi prefeito. O primeiro orçamento feito pelo petista foi para 2014, quando a fatia para a Secretaria Municipal de Cultura foi de 0,68% do total - R$ 348,7 milhões. Em 2015, a pasta recebeu R$ 403,8 milhões, de um orçamento de R$ 51,3 bilhões, o que corresponde a 0,78% do total. Em 2016, a cultura recebeu 0,92% do orçamento municipal - R$ 501 milhões, de R$ 54,4 bilhões. Já o orçamento deixado para 2017 previu R$ 518,7 milhões para a cultura, 0,94% do total de R$ 54,6 bilhões.
População de rua
O que Haddad disse: que, quando ele era prefeito, havia 15 mil pessoas em situação de rua na Capital, das quais 12 mil eram acolhidas. Segundo ele, hoje há 40 mil pessoas nas ruas e 16 mil vagas de acolhimento.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. Um censo realizado pela Prefeitura em 2015, o único durante o governo de Haddad, estimou um total de 15,9 mil pessoas em situação de rua na cidade. Segundo o levantamento, 8.570 delas eram consideradas acolhidas.
CENSO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DA CIDADE DE SÃO PAULO, 2015
A edição do estudo realizada em 2022 pela administração municipal indica que a população de pessoas em situação de rua cresceu para cerca de 32 mil. Por outro lado, um levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estima um número ainda maior, acima de 42 mil pessoas. Em relação à rede de acolhimento, um artigo recentemente publicado no site da prefeitura, diz que há mais de 16 mil vagas nos serviços da rede municipal de assistência a pessoas em situação de rua.
Votação nas eleições presidenciais
O que Haddad disse: que em 2018, ele teve 40% dos votos dos paulistas nas eleições presidenciais.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que Haddad teve 16,42% dos votos válidos no Estado no 1º turno e 32,03% no 2º turno. Jair Bolsonaro foi o mais votado no Estado com, respectivamente, 53% e 67,97% dos votos válidos.
Já na cidade de São Paulo, é verdade que Fernando Haddad teve 39,62% dos votos válidos dos paulistanos no 2º turno - contra 19,70% no 1º turno.
Furto de celulares
O que Haddad disse: que o Brasil tem 1 milhão de celulares furtados por ano e que um terço ocorre em São Paulo.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é exagerado. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2021, o Brasil registrou 847 mil furtos e roubos de celulares. Haddad acerta ao dizer que um terço dos crimes ocorreu em São Paulo: 289 mil casos (34,1%).
O Brasil já teve 1 milhão de roubos e furtos de celulares por ano. Em 2018 e 2019, respectivamente, foram 995 mil e 1 milhão de crimes. O Fórum de Segurança Pública, responsável pela elaboração do anuário, ressalta que os anos de 2020 e 2021 tiveram queda no número de crimes patrimoniais por causa da restrição de circulação de pessoas por conta da pandemia de covid-19.
Transposição do São Francisco
O que Haddad disse: que os ex-presidentes Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT) fizeram 88% da Transposição; Michel Temer (MDB) fez 7% e Jair Bolsonaro (PL) fez 5%.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. Não é possível cravar exatamente que percentual da obra foi entregue em cada gestão que atravessou a Transposição do Rio São Francisco, já que o empreendimento mudou de tamanho ao longo do tempo. Haddad está certo, contudo, ao afirmar que a gestão de Bolsonaro não é responsável por concluir a maior parte da transposição. Documentos do governo federal apontam que Bolsonaro já recebeu a transposição com mais de 90% da execução física concluída.
Um relatório de 2016 do antigo Ministério da Integração Nacional aponta que, naquele ano, o Eixo Leste da Transposição já tinha 84,4% da execução física pronta, enquanto o Eixo Norte tinha 87,7% das obras concluídas. Isso indica que mais de 80% das obras realmente foram concluídas nos governos petistas.
Em março de 2017, Temer inaugurou o Eixo Leste. Em novembro daquele ano, um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) mostrou que todos os segmentos do Eixo Norte tinham pelo menos 92,5% das obras físicas prontas. Os mesmos dados apareciam em uma página de atualização de obras do Ministério da Integração Nacional. A página saiu do ar, mas foi recuperada através da ferramenta Wayback Machine.
De acordo com esses registros, portanto, Bolsonaro seria responsável por pouco mais de 7% das obras, mas o atual Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) tem contestado os porcentuais divulgados pelos governos anteriores. A atual gestão considera que houve necessidade de reparos em diversas estruturas e que o projeto original foi retomado com a inclusão dos ramais do Agreste, Apodi e Salgado, que somam 699 quilômetros. Apesar disso, o MDR não aponta um percentual de quanto o governo Bolsonaro entregou da obra, que foi considerada concluída pelo governo em fevereiro de 2022.
Construção do túnel Roberto Marinho
O que Haddad disse: que criou a Controladoria Geral do Município, órgão responsável por descobrir superfaturamento de R$ 300 milhões na obra do Túnel Roberto Marinho. O petista afirmou ter suspendido a obra em 14 de fevereiro de 2013, com apenas 45 dias à frente da Prefeitura.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade que a Controladoria foi criada na gestão de Haddad. No entanto, diferentemente do que o candidato dá a entender, a obra do túnel citado não foi suspensa inicialmente com a justificativa de suspeitas de superfaturamento. Na data citada pelo petista, a Prefeitura decidiu suspender as obras alegando uma mudança de prioridade. Na época, Haddad afirmou que não havia recursos para início da construção do túnel. "Não está havendo um cancelamento, apenas uma inversão de prioridade", disse o então prefeito, segundo nota divulgada em 2013.
De acordo com esta reportagem do Estadão, Haddad mudou a versão em 2016, no auge da Operação Lava Jato, e passou a dizer que as obras haviam sido paralisadas por "indícios de superfaturamento". A gestão de Bruno Covas (PSDB) desistiu de construir o túnel em 2020. Em 2018, a Odebrecht admitiu que venceu a licitação da obra com a formação de um cartel.
Construção de CEUs
O que Fernando Haddad disse: que, ao final de sua gestão na Prefeitura, deixou 10 CEUs em obra, com dinheiro suficiente para terminá-los. O petista lembrou que entregou uma unidade de CEU.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que é impreciso. A gestão de Haddad prometeu 20 CEUs, concluiu um e deixou 14 em obras. Conforme o balanço final do Programa de Metas da Cidade de São Paulo 2013-2016, 8 unidades tinham obras avançadas e seis estavam com a licitação concluída e obras iniciadas. Apenas em 2018, na gestão Bruno Covas (PSDB), a Prefeitura retomou a construção de 12 CEUs - entregues no ano passado. Quando anunciadas as obras, a administração tucana informou que duas das unidades abandonadas na gestão Haddad não entraram no pacote de retomada pois estavam em estágio muito inicial.
Apesar de ter sido um dos criadores do modelo de escola, quando integrou a gestão Marta Suplicy (2001-2004), Haddad terminou a gestão como o prefeito que menos construiu CEUs.
Andamento de processos em ano eleitoral
O que Fernando Haddad disse: que, em 2018, entraram com três processos contra ele a 30 dias das eleições. O petista afirmou que os três processos "foram para a lata de lixo" e que o Ministério Público "nem chegou a recorrer das minhas absolvições".
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o candidato acerta ao afirmar que foi alvo de denúncias perto das eleições 2018, mas promotores que acusavam Haddad chegaram, sim, a recorrer de decisões da Justiça. O Ministério Público de São Paulo apresentou duas denúncias, em 28 de agosto e 04 de setembro de 2018, contra o petista. As acusações eram baseadas em depoimentos do ex-presidente da UTC Engenharia Ricardo Pessoa à Polícia Federal.
Uma das ações acusava Haddad de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito por ter ciência do pagamento de uma dívida de campanha com recursos de caixa 2 - isto é, recursos eleitorais não declarados à Justiça - pela UTC Engenharia. Os repasses ilegais foram avaliados em R$ 2,6 milhões. A denúncia foi rejeitada na primeira instância do Tribunal de Justiça de São Paulo em dezembro de 2019, como relata matéria do Conjur. O MP recorreu, mas, em julho de 2020, a 7ª Câmara de Direito Público da corte manteve a absolvição com o entendimento que não havia caminho probatório suficiente para a acusação de improbidade.
Haddad também foi acusado, na área criminal, de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo suposto esquema com a UTC Engenharia. O processo foi trancado na Justiça paulista em 2019 e o Superior Tribunal de Justiça rejeitou a reabertura do processo em 2021. Um dos argumentos citados pela corte superior foi o de que a Justiça Eleitoral absolveu Haddad em uma terceira ação sobre o tema. O petista chegou a ser condenado em primeira instância a 4 anos de prisão por falsidade ideológica eleitoral, mas o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo reformou a sentença em 2021.
Já em dezembro do ano passado, o MPSP arquivou, por falta de provas, um outro inquérito contra Fernando Haddad por suposta corrupção passiva envolvendo solicitação de propinas de R$ 5 milhões à OAS, em 2013.
Hospital de oncologia
O que Fernando Haddad disse: que inaugurou o "melhor hospital oncológico público" da cidade de São Paulo, o Hospital da Vila Santa Catarina, que antes era privado e estava vazio há seis anos.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. De acordo com informações da própria gestão de Haddad na prefeitura de São Paulo, o hospital estava fechado havia quatro anos, e não seis. Ele foi desapropriado pela prefeitura e reabriu com 100% do atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de convênio com o Hospital Albert Einstein. O custeio é feito com recursos repassados pelo Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional e da tabela SUS. A inauguração ocorreu em dezembro de 2015, cerca de um ano e meio após a assinatura.
A afirmação de que o Santa Catarina é o melhor hospital público da cidade é vaga, mas o centro de oncologia da instituição de fato entrou no ranking da revista Newsweek de 200 melhores hospitais na especialidade médica de 2021.
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