Não, vacinas mRNA contra a covid-19 não são ‘armas biológicas criminosas’

Ao contrário do que afirma publicação no Telegram, imunizantes são seguros e benefícios superam os riscos

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Por Luciana Marschall
Atualização:

É falso que as vacinas desenvolvidas a partir da tecnologia mRNA sejam “armas biológicas criminosas” e que eventos adversos como síndrome de Guillain Barré, miocardite e pericardite sejam comuns. Os imunizantes são seguros e receberam aprovação das principais agências regulatórias do mundo. No Brasil, a vacina Comirnaty (Pfizer/Wyeth), com essa tecnologia, teve o registro concedido em fevereiro de 2022 e a Comirnaty bivalente (Pfizer) foi aprovada para uso emergencial em novembro deste ano. Reações adversas graves existem, mas são raríssimas e constantemente monitoradas.

 

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A afirmação falsa foi compartilhada nas redes sociais pelo cantor de axé Netinho, a partir de um texto publicado no site Jornal Tribuna Nacional que reproduz trechos de entrevista de Karen Kingston ao jornalista Greg Hunter, conhecido por disseminar conteúdo anti-vacinação nos Estados Unidos.

A peça de desinformação traz no título que Kingston é ex-funcionária da Pfizer, sugerindo que ela teria conhecimento sobre os imunizantes desenvolvidos pela empresa. Em seu perfil no Linkedin, Karen afirma ter trabalhado por dois anos e meio como representante de Cuidados de Saúde Cardiovascular na farmacêutica, entre junho de 1996 e novembro de 1998 -- ou seja, há mais de 24 anos e em uma função não associada ao desenvolvimento de vacinas.

Ao Estadão Verifica, a Pfizer não confirmou se ela foi, de fato, funcionária, alegando não compartilhar registro de empregados. A empresa reforçou que a vacina demonstrou ser segura e eficaz em ensaios clínicos e em evidências do mundo real.

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Na entrevista, Kingston afirma que os efeitos colaterais comuns relatados pelas desenvolvedoras das vacinas incluem dores musculares, dor de cabeça, febre e dor, mas cita falsamente como eventos também comuns efeitos que aparecem como raríssimos nas bulas de imunizantes, incluindo miocardite e pericardite e a síndrome de Guillain Barré.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) informa que os dados atualmente disponíveis sugerem relação potencial entre sintomas de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e pericardite (inflamação da membrana que envolve o coração) e as vacinas de mRNA, mas os casos relatados foram muito raros e os sintomas são geralmente leves. A entidade destaca que a tecnologia de vacina mRNA contra a covid-19 tem sido rigorosamente avaliada quanto à segurança e que ensaios clínicos demonstraram que os imunizantes produzem uma resposta imunológica que tem uma elevada eficácia contra a doença.

Em relação à síndrome de Guillain Barré, foram relatados casos muito raros, possivelmente ligados à vacinação com as vacinas AstraZeneca e Janssen - que são vectoriais adenovírus, não mRNA. Os casos ocorreram após a vacinação, mas ainda não é possível dizer se estavam relacionados a ela ou se foram coincidentes.

Benefícios superam em muito os riscos

O Brasil aplicou, até o momento, mais de 496 milhões de doses de vacinas contra a covid.  O último boletim epidemiológico da covid-19 do Ministério da Saúde a trazer dados atualizados sobre o monitoramento de eventos adversos pós-vacinação foi publicado em agosto e informava terem sido notificados, até então, 5,91 eventos adversos graves para cada 100 mil doses aplicadas.

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Vacinação contra a covid-19 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Deste total, 2.551 notificações eram de mortes, o que representa 0,76 eventos por 100 mil doses aplicadas. Conforme os dados do ministério, 0,003% do total de doses aplicadas no período analisado tiveram algum evento adverso grave e 0,0007% resultaram em óbitos. Após investigação destes casos, identificou-se que a maioria não teve qualquer relação causal com a vacinação. Foram confirmados apenas 16 óbitos causados possivelmente pela vacinação.

O número de óbitos pela doença, segundo o Painel Coronavírus, era de 691.449 até o dia 14 de dezembro de 2022. Segundo o boletim epidemiológico mais atual, de 11 de dezembro de 2022, desde 2020 o Brasil registrou 842.540 casos de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) relacionadas ao coronavírus. O mês que registrou a maioria desses óbitos (89.279) foi  março de 2021, quando a vacinação havia recém sido iniciada. Em 2022, com ampla parcela da população imunizada, o maior registro de óbitos ocorreu, até o momento, em fevereiro, com 23.741.

A doutorado em Imunologia e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Fernanda Grassi explica que ao se propor um imunobiológico para controle de uma doença infecciosa sempre é considerada a relação entre risco e benefício. A avaliação é feita por meio de estudos de fase três e quatro, quando já se está utilizando amplamente a vacina, mas ainda existe uma vigilância.

Ela destaca que os casos citados por Kingston podem ocorrer, mas  são extremamente raros, milhares de vezes inferiores à ocorrência de eventos relacionados ao desenvolvimento da própria doença, o que demonstra a importância da vacinação. Em relação à miocardite e pericardite, por exemplo, Grassi ressalta que esses problemas também podem ser causados pela própria infecção pelo coronavírus e que os casos identificados após a vacinação foram limitados.

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"É evidente que a vacinação reduziu a mortalidade e reduziu a hospitalização. Temos uma variante e um número enorme de casos, mas sem aquela repercussão que tivemos em 2020 e 2021 quando 4 mil pessoas morriam ao dia. A gente vê a clara associação entre a diminuição da morte e da hospitalização com o aumento da vacinação", declara a pesquisadora.

A reportagem solicitou à Vigilância Sanitária dados atualizados sobre eventos adversos, mas não recebeu resposta.

Vacinas mRNA

As vacinas desenvolvidas a partir de RNA mensageiro são frequentemente alvo de desinformação. A OMS ressalta que o método tem sido estudado há décadas, incluindo nos contextos de Zika, raiva e vacinas contra a gripe, e é rigorosamente avaliado quanto à segurança no contexto da covid-19. Ensaios clínicos demonstraram que as vacinas mRNA produzem resposta imunológica com elevada eficácia contra a doença.

Fernanda Grassi explica que no caso da vacina da Pfizer a substância carrega uma sequência de RNA que produz no corpo humano as proteínas spike presentes também no coronavírus. Esse RNA é envolto em nanopartículas de lipídeos (gordura) que facilitam a entrada da molécula no citoplasma, uma região da célula humana onde o RNA é transcrito em Spike. "A partir disso, nossas células vão produzir uma quantidade dessas proteínas e o nosso sistema imune vai produzir anticorpos dirigidos contra essa proteína. É isso que é uma vacina, algo que induz uma resposta imunológica com memória. Por fim, essa proteína não tem a capacidade de permanecer no organismo porque o RNA vai produzir e vai desaparecer", diz. Esse processo também é descrito em detalhes no site da  Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

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Ao longo da vacinação contra a covid-19, Karren Kingston foi desmentida por diversas iniciativas de checagem mundo afora que consideraram falsas suas argumentações sobre imunizantes, principalmente por defender a existência de grafeno nas vacinas mRNA. Dentre as verificações estão as do Boatos.Org, Factcheck.bg, Verificat, Reuters, Snopes e Newtral.

O Estadão Verifica procurou o cantor Netinho e o site Jornal Tribuna Nacional, mas não recebeu resposta até o momento.

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