É falso que a publicação de uma portaria do Ministério da Defesa no Diário Oficial da União da última segunda-feira, 5, institua operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), permitindo que militares das Forças Armadas comecem a fazer prisões. Um áudio que circula no Telegram fala sobre a Portaria nº 5.807/2022, assinada pelo ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Mas ela não institui a GLO, apenas aprova a segunda edição do Manual de Mobilização Militar, que substitui documento parecido publicado pela primeira vez em 2015.
No áudio, que já acumula mais de 26 mil visualizações no Telegram, uma voz masculina diz que soube por alguém que está em frente a um quartel em Goiânia (GO) que a GLO foi instaurada a partir da publicação de uma Portaria no Diário Oficial da União. "Está proclamada a GLO no Brasil. Em seguida, vou passar os prints e o link oficial do Ministério da Defesa. Graças a Deus, gente! Nesse dia 6, o ministro da Defesa provavelmente vai fazer um pronunciamento pedindo para as pessoas retornarem para suas casas porque eles vão começar a agir. Vai comunicar oficialmente que a GLO está instaurada e vão começar a fazer as prisões", diz o áudio, seguido de um PDF com o texto da Portaria.
O documento, no entanto, desmente o próprio áudio. A Portaria 5.807/2022 foi publicada na edição do Diário Oficial do dia 5 de dezembro e tem apenas três artigos: ela aprova o novo Manual de Mobilização Militar; revoga a Portaria que instituiu a primeira edição do Manual, de 2015; e entra em vigor na data da publicação.
O que vem a seguir é um anexo com o conteúdo detalhado de todo o Manual de Mobilização Militar que, de acordo com a publicação, tem por finalidade "regular os fundamentos doutrinários que orientam os processos relativos à Mobilização Militar no âmbito do Ministério da Defesa (MD) e das Forças Singulares (FS)" - Forças Singulares é como são, genericamente, chamadas a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.
Ministério da Defesa desmente o áudio
Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que o conteúdo do áudio é inverídico e que a Mobilização Militar da qual trata o Manual "é o conjunto de atividades planejadas, empreendidas e orientadas pelo Estado, para fazer frente a uma situação de emergência resultante da iminência de concretização ou efetivação de uma hipótese de emprego decorrente de agressão estrangeira".
A nova edição do Manual já vinha sendo planejada desde fevereiro, e não tem relação com os atos antidemocráticos que contestam o resultado da eleição presencial desde o segundo turno, em frente a quartéis. "Em fevereiro de 2022, o Ministério da Defesa iniciou os trabalhos de revisão da 1ª edição do Manual de Mobilização Militar, publicada em 2015. Dentre as principais alterações, constam, em resumo: a inserção de novos tipos de necessidades logísticas e a inclusão de capítulo sobre documentos normativos e de planejamento relacionados ao assunto", completa a nota.
Diferentemente do que diz o áudio, não há qualquer previsão de que o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, faça um pronunciamento nesta terça-feira, 6, afirmando que os militares vão "começar a agir". O ministro teve somente um compromisso registrado em sua agenda nesta terça: participou da 7ª Mostra BID (Base Industrial de Defesa) Brasil, em Brasília (DF), pela manhã. Ele não falou sobre o assunto e, no discurso, defendeu mais recursos para armamento.
O que é Garantia da Lei e da Ordem?
O termo "garantia da lei e da ordem" aparece na Portaria 5.807/2022 apenas uma vez, e de uma forma bem diferente do que afirma o autor do áudio. O documento não "instaura" a GLO, apenas menciona que, de acordo com o Manual de Mobilização Militar, a coordenação desse tipo de operação cabe à Subchefia de Mobilização, junto com a Chefia de Operações Conjuntas.
O ministro da Defesa sequer poderia instaurar a GLO, uma vez que essa atribuição é exclusiva do Presidente da República. As missões de GLO podem ser realizadas "em casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem. Nesses casos, os militares podem atuar de forma provisória com o poder de polícia até que seja restabelecida a normalidade.
Segundo o Ministério da Defesa, durante as missões de GLO, as Forças Armadas agem "de forma episódica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições".
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