Estatais gastaram até R$ 83,45 milhões com G-20 e ‘Janjapalooza’, mostram documentos

Banco do Brasil, Caixa e Petrobras se comprometeram a doar até R$ 18,5 milhões cada; BNDES informou que os recursos só foram para o G-20 e não contemplaram o festival e as demais dizem que aportes se justificam por relevância do evento

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Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA – Empresas estatais brasileiras pagaram até R$ 83,45 milhões para a realização da cúpula do G20 e do festival com show de artistas que ficou conhecido como “Janjapalooza”. As informações estão no acordo de cooperação internacional firmado pelo Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal (Caixa), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petrobras com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), que organizou o G-20.

Janja na abertura do G20 Social no Museu do Amanhã, no centro do Rio de Janeiro, em novembro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

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Pelo acordo, cada uma dessas quatro estatais se comprometeu a destinar até R$ 18,5 milhões para o evento, totalizando R$ 74 milhões. O BNDES informou que só apoiou o evento e não destinou nenhum recurso para o festival. A Petrobras afirmou não ter custeado o valor cheio, tendo pago R$ 12,95 milhões. Como mostrou o Estadão, a Itaipu Binacional, que não é parte deste acordo, doou mais R$ 15 milhões, atingindo o total de R$ 83,45 milhões.

Ao responder a um requerimento de informações (RIC) da deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e de outros congressistas de oposição, o Ministério da Cultura (MinC) disse que o valor investido foi de R$ 77,3 milhões. Os recursos teriam origem nas estatais e na Prefeitura do Rio de Janeiro, segundo as informações prestadas pelo MinC. Segundo o governo, não houve apoio de empresas privadas.

Procurados, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa, a Petrobras e a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência disseram que o evento seguiu as normas pertinentes e que os gastos totais ainda estão sendo computados pela OEI. A organização também foi procurada, mas não respondeu (leia mais abaixo). Os documentos sobre o acordo de cooperação internacional foram obtidos pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação, através de um pedido direcionado ao BNDES.

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Os dirigentes da OEI no Brasil são próximos da primeira-dama, Janja Lula da Silva. No começo de 2023, a entidade chegou a oferecer um cargo para a socióloga paranaense, mas as tratativas não foram adiante. Janja se envolveu na organização do G-20 e na curadoria do festival de música Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, o que levou o evento a ser apelidado de “Janjapalooza”. Durante as atividades do G-20, uma pessoa da plateia chamou o festival pelo apelido, o que irritou a primeira-dama.

Trecho do acordo entre a OEI e as empresas estatais para financiamento do G-20 Foto: SIC BNDES / Reprodução

“Para fins de execução do objeto (a realização do evento), a Petrobras, a CEF, o BNDES e o Banco do Brasil, se comprometem a realizar, cada uma delas, o repasse de até R$ 18.500.000,00 (dezoito milhões e quinhentos mil reais) em favor da OEI, totalizando o montante de até 74.000.000,00 (setenta e quatro milhões de reais)”, diz um trecho do acordo.

O conjunto de documentos obtidos pelo Estadão inclui um orçamento preliminar com a previsão de gastos dos R$ 74 milhões a serem doados por BNDES, Caixa, BB e Petrobras. Só com o “Janjapalooza” estavam previstos gastos de R$ 28,3 milhões. Outros R$ 27,2 milhões seriam gastos com a cúpula do G-20 Social, uma reunião de movimentos sociais realizada pouco antes do evento principal.

A reunião de chefes de Estado, razão de ser do encontro no Rio, custaria menos da metade dos outros dois eventos: cerca de R$ 13 milhões.

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Os documentos detalham o orçamento do “Janjapalooza”: o gasto descrito como “jurídico / administrativo” soma R$ 543 mil, bem mais que as passagens aéreas (R$ 248 mil) e as hospedagens dos convidados (R$ 188 mil). Os maiores gastos orçados são com “cenografia / infraestruturas” (R$ 7,9 milhões), e com “locação de equipamentos” (R$5,1 milhões).

Há ainda a cobrança de uma “taxa de administração” da OEI de 8% sobre o valor pago pelas empresas estatais. Segundo a estimativa, o festival em si – G-20 Social, o festival de música e a cúpula de líderes – custariam R$ 68,5 milhões. Já a taxa de administração da OEI poderia chegar a até R$ 5,4 milhões, totalizando os R$ 74 milhões a serem doados por Caixa, Banco do Brasil, BNDES e Petrobras.

Trecho do orçamento preliminar apresentado pela OEI para o G-20. A primeira coluna diz respeito à reunião do G-20 Social; a segunda, ao festival 'Janjapalooza', e a última, à reunião de chefes de Estado Foto: SIC BNDES / Reprodução

Em outro trecho do documento há uma “conciliação de contas parcial”. Neste documento, as informações sobre o “Janjapalooza” estão em branco. Questionado pelo Estadão, o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) do BNDES informou que os dados estão em branco porque não teria havido emprego de recursos no festival. Já a estatal Itaipu destinou dinheiro para o evento cultural paralelo à reunião de cúpula.

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Tanto no caso do G-20 Social quanto da reunião de líderes, os valores da prestação de contas parcial ficaram próximos do orçamento inicial. Neste novo documento, o G-20 Social aparece com custos previstos de R$ 29,6 milhões, e total “liquidado/pago” de R$ 26,8 milhões (pouco menos que os R$ 27,2 milhões do orçamento inicial). Já a cúpula de líderes saiu de R$ 13 milhões na previsão inicial para R$ 11,6 milhões efetivamente pagos.

Em novembro, o Estadão trouxe as primeiras informações sobre o patrocínio das estatais para o “Janjapalooza” e o G-20 – à época, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica se recusaram a informar quanto tinham aportado para o evento. O assunto virou alvo de congressistas de oposição, e o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu investigação com base em pedidos dos deputados federais Sanderson (PL-RS) e Gustavo Gayer (PL-GO).

Prestação de contas parcial do evento G-20. A coluna do meio, sobre o 'Janjapalooza', está vazia Foto: SIC BNDES / Reprodução

À época, o Ministério da Cultura disse que os artistas que se apresentaram no evento receberam cachês simbólicos e que os gastos seriam divulgados posteriormente – sem dar prazo. O evento se estendeu por três dias e recebeu dezenas de artistas de renome nacional, como Alceu Valença, Zeca Pagodinho e Ney Matogrosso. A entrada foi gratuita.

Durante a reunião do G-20, a primeira-dama Janja Lula da Silva se irritou com uma pessoa da plateia que usou o termo “Janjapalooza”. “Não, filha. É Aliança Global contra a Fome a Pobreza. Vamos ver se consegue entender a mensagem, tá?”, disse ela.

O que dizem o governo e as estatais

Ao Estadão, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa e a Petrobras disseram que o pagamento à OEI se justifica pela importância do evento. Com exceção da Petrobras, as outras empresas não disseram se pagaram o valor cheio de R$ 18,5 milhões, ou menos que isso. Já a Secom da Presidência da República disse que o evento foi feito de acordo com o decreto de 2024 que regulamenta este tipo de parceria internacional, e que os custos ainda estão em apuração.

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Como mostrou o Estadão, a Petrobras disse, em novembro, ter pago o valor completo, de R$ 18,5 milhões. Agora, em nova nota ao jornal, a estatal disse que o pagamento se limitou à quantia de R$ 12,95 milhões. “O acordo previa aportes de até R$18,5 milhões por parte da companhia, tendo sido realizado o desembolso de R$12,95 milhões para execução das atividades previstas, não havendo mais aporte a realizar”, disse a Petrobras, em nota.

“De acordo com a prestação de contas parcial apresentada pela OEI, o montante de R$12,95 milhões foi integralmente destinado à Cúpula de Líderes e à Cúpula Social. Não houve emprego de recursos das cooperantes na execução do Festival da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza”, disse a Petrobras. “A participação no Acordo de Cooperação Internacional se deu por afinidades entre a companhia e temas centrais tratados no G-20, como a construção de um planeta mais sustentável”, afirmou a estatal.

A Secom da Presidência da República disse que o acordo com a OEI seguiu o previsto na legislação. “Cabe destacar que como prevê o Acordo de Cooperação Técnica entre as estatais, a prestação de contas tem prazo de 90 dias contados do final das atividades, tendo essas empresas 60 dias para realizar a análise da prestação de contas. Portanto, as informações sobre os custos destinados ao G-20 estão em fase de consolidação, não tendo ainda o total global”, disse a Secom.

Em nota, o BNDES afirmou que o acordo vedava o uso de verbas do banco para o pagamento de cachês. “Alinhado à missão e à estratégia do BNDES, o termo de cooperação contribuiu para a promoção de novos negócios e para a captação de R$ 25,3 bilhões em investimentos para o Brasil (por meio de acordos com CDB, AIIB, CAF e AFD), além de novos compromissos e doações para o Fundo Amazônia”, disse a estatal, em nota.

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“Os gastos com recursos do BNDES estão em fase de contabilização final pela OEI, e serão auditados por empresa independente. As informações completas sobre a execução financeira serão publicadas em plataformas de transparência pública, bem como prestadas aos órgãos de controle, após finalização da fase de prestação de contas e auditoria externa”, disse o BNDES.

O Banco do Brasil justificou o pagamento pela “relevância, ineditismo e alcance global do projeto”. “O acordo do BB com a OEI tinha por objeto a cooperação para a preparação, organização e realização de eventos e atividades relacionadas ao G-20. O valor final ainda será calculado, considerando as comprovações a serem apresentadas pela entidade”, disse o banco.

“Durante o G-20, o Banco do Brasil firmou acordos que somam até R$ 4 bilhões em investimentos sustentáveis e participou ativamente das discussões em diferentes temas relacionados ao G-20. A partir da sua expertise, o BB e outras empresas públicas entregaram uma carta com propostas para os chefes de estado que compõem o G-20. No documento, as empresas apresentam 32 contribuições relacionadas à transição energética, à reforma da governança global e ao combate à pobreza e à fome, dentre outras”, disse a empresa.

Por meio da assessoria de imprensa, a Caixa disse que os gastos com o evento ainda estão sendo calculados. “O valor final de desembolso será calculado considerando as prestações de contas apresentadas pela OEI”, disse a CEF, em nota.

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“Para a CAIXA, a participação no Acordo de Cooperação Internacional foi uma oportunidade de reforçar seu papel como agente de desenvolvimento socioeconômico no Brasil, além de se posicionar como líder em práticas de desenvolvimento inclusivo, promover o intercâmbio de conhecimentos e fortalecer parcerias com atores globais”, disse a empresa.