A estratégia de Pablo Marçal (PRTB) de lançar mão do factoide de que dois de seus adversários são usuários de cocaína causou o estardalhaço desejado e atraiu a atenção dos eleitores para o influenciador no início da corrida pela Prefeitura de São Paulo. A tática, contudo, acabou gerando um efeito bumerangue: ao trazer o tema das drogas para o debate público, Marçal deu margem para que seus rivais explorassem as ligações de seu partido, o PRTB, com o Primeiro Comando da Capital (PCC) – articuladores do PRTB são investigados por trocar carros de luxo por cocaína para a facção – e também seu passado de problemas com a Justiça.
Esta não é a primeira eleição em São Paulo na qual o tema das drogas tem papel de destaque. Em 1984, Fernando Henrique Cardoso, então no MDB, disse em entrevista à revista Playboy que havia fumado maconha uma vez e, embora tenha achado horrível, não se oporia à legalização da droga. As declarações foram exploradas no pleito do ano seguinte pela campanha de Jânio Quadros, principal rival de FHC e vencedor daquela eleição para a Prefeitura. Apesar de terem, de fato, ocorrido, as falas foram distorcidas e serviram de base para boatos falsos.
Um vereador aliado de Jânio chegou a afirmar na propaganda eleitoral na TV que Fernando Henrique estava “interessado em corromper a juventude” e era favorável à liberação da droga. Durante a campanha, o candidato do MDB foi questionado por eleitores nas ruas se ia distribuir maconha na merenda escolar.
Quarenta anos depois, Marçal insinua desde os primeiros dias de agosto que dois candidatos usam cocaína, mas não apresenta provas para sustentar as insinuações. No caso de Guilherme Boulos, Marçal é explícito. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o influenciador se baseia em um processo judicial no qual um homônimo do candidato do PSOL, o empresário Guilherme Bardauil Boulos, é réu por ter sido pego portando maconha, não cocaína, em 2001. O nome completo do candidato psolista é Guilherme Castro Boulos.
A campanha do influenciador não confirma se é esse o processo que serve como base da acusação dele contra Boulos, tampouco informa se há outras ações para embasar a acusação.
O influenciador nunca falou explicitamente quem seria o segundo candidato que supostamente, sem provas, usaria cocaína. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) chegou a fazer um exame toxicológico antes do início oficial da campanha para ter nas mãos uma prova concreta de que nunca consumiu drogas, caso fosse acusado disso.
Concomitantemente aos ataques contra Boulos, Marçal passou a ser cada vez mais questionado sobre a ligação do PRTB com o PCC. Além da investigação sobre a troca de carros de luxo por cocaína, o Estadão revelou que Tarcísio Escobar de Almeida, indiciado por associação à facção criminosa, foi presidente estadual do partido em São Paulo por três dias em março.
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O atual presidente nacional da sigla, Leonardo Avalanche, que acompanhou Marçal nos debates da Band e do Estadão, foi gravado afirmando ter relações com o PCC e dizendo ser o responsável pela soltura de André do Rap, um dos líderes da facção, em áudio revelado pela Folha de S.Paulo.
Os casos noticiados pela imprensa são a base da ofensiva contra Marçal, liderada até aqui por Tabata Amaral (PSB). A candidata tem utilizado a mesma estética do influenciador em vídeos que viralizaram nas redes sociais ao mencionar o PCC e episódios do passado do ex-coach, como a condenação – que prescreveu – pela participação dele em uma quadrilha que fraudava contas bancárias, a expedição liderada por Marçal ao Pico dos Marins, em 2022, quando cerca de 30 pessoas precisaram ser resgatadas pelo Corpo de Bombeiros, e a morte de um homem enquanto corria uma maratona organizada pelo grupo empresarial do candidato.
Sem efeito nas pesquisas
As críticas, embora tenham repercutido, não surtiram efeito nas pesquisas eleitorais até o momento. Marçal cresceu de 10% das intenções de voto no dia 30 de julho para 19% na última quarta-feira e está empatado tecnicamente com Boulos e Nunes, segundo a Quaest. Marco Antonio Teixeira, cientista político e professor da FGV-EAESP, acredita que há chance de Marçal ter o desempenho prejudicado se ficar claro que ele criou um factoide contra Boulos.
“Marçal não se atentou para questões que são fundamentais quando você vai para o debate público. Você precisa minimamente ter consistência não só daquilo que você fala, mas sobretudo daquilo que você fala dos outros”, disse. “Essa última notícia [sobre o homônimo] dá para o Boulos evidência para dizer na frente do Pablo Marçal que ele foi irresponsável ao levantar acusações falsas e que, portanto, ele tem problema de caráter”, afirmou Teixeira.
Na esteira da reportagem, Boulos disse que a “farsa de Marçal” foi desmontada e que o candidato do PRTB utilizou uma “malandragem” para produzir “fake news vergonhosa”. “Pablo Marçal ganhou a vida fazendo estelionato contra aposentados, foi condenado e preso por isso. Agora, queria fazer esse estelionato para enganar os eleitores da cidade de São Paulo. Não deu certo, Marçal, sua mentira caiu por terra”, disse o candidato do PSOL nas redes sociais.
Para Creomar de Souza, cientista político e sócio-fundador da Dharma Political Risk and Strategy, a estratégia de acusar os adversários de usar cocaína é como jogar uma pedra no meio de um lago: o objeto bate na água, cria reverberações e eventualmente uma onda. E só.
O analista avalia que Marçal foi bem-sucedido inicialmente porque deixou Boulos e Nunes desconcertados e sem saber como reagir. Creomar considera, porém, que Tabata, “uma candidata periférica e com dificuldade de avançar”, soube atacar o flanco aberto pelo influenciador.
“Ela percebeu que pode usar o fato de que Marçal está transformando a eleição em um plebiscito sobre a própria imagem e explorar tudo aquilo que ele não quer mostrar e tentar se posicionar como a força anti-Marçal”, analisou.
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Tabata está tecnicamente empatada em quarto lugar com José Luiz Datena (PSDB), tendo passado de 5% para 8% na Quaest, variação no limite da margem de erro de três pontos percentuais. No vídeo mais recente publicado pela candidata, ela acusa Nunes e Boulos de poupar Marçal: o primeiro, por supostamente estar de olho nos votos do ex-coach no segundo turno, e o segundo, por teoricamente preferir enfrentar o candidato do PRTB quando a disputa passar para a fase final.
“Por que eles não se mexem? Qual é o jogo deles? Com bandido não se faz conchavo nem coração; a gente bate de frente”, diz Tabata no vídeo.
A tática de Marçal dinamitou o cenário eleitoral que estava posto e deslocou o debate, tirando o foco da discussão sobre propostas para a capital paulista e até mesmo da polarização representada por Nunes, apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e Boulos, que tem como padrinho político o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), afirma que numa eleição onde o incumbente, neste caso Ricardo Nunes, é candidato à reeleição, tradicionalmente a discussão central da disputa se dá sobre a avaliação positiva ou negativa da gestão já realizada e se a cidade foi bem cuidada.
“Marçal olhou para isso e disse ‘nessa gramática aí eu não vou ter nenhuma chance, tenho que fazer uma chegada disruptiva’. Ele precisava ter, e elaborou bem, um projeto disruptivo para isso. Obviamente facilitado, no caso dele, por causa dos canais próprios que tem nas redes sociais”, disse Lavareda.
Na última quarta-feira, 28, Marçal mudou o discurso após o surgimento do homônimo de Boulos e inverteu o ônus da prova. O candidato do PRTB disse que são os adversários que precisam fazer exames toxicológicos para provarem que não são usuários de cocaína.
“Se quer fazer a defesa correta, mostra a contraprova, não adianta pedir agora. A questão é que já tenho em mãos e vou mostrar na hora certa, eu conheço o povo, o povo esquece”, afirmou, indicando que apresentará as supostas provas apenas na reta final da campanha. Anteriormente, Marçal havia dito que as provas seriam apresentadas no debate da Band, no dia 7 de agosto.
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