BRASÍLIA E SÃO PAULO – Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter acusado a Ucrânia de ser responsável por uma guerra na qual é vítima de invasão e no mesmo dia em que o petista recebeu o chanceler russo Sergei Lavrov, em Brasília, os Estados Unidos e a União Europeia reagiram e enviaram nesta segunda-feira, 17, duras respostas ao governo brasileiro. Segundo a Casa Branca, o posicionamento de Lula sobre o conflito é “profundamente problemático” e “equivocado”, além de repetir propaganda da Rússia e da China.
Em defesa da política externa, o chanceler Mauro Vieira rebateu os EUA e negou que o Brasil propague o discurso russo. Lula, que não se manifestou nesta segunda, afirmou em viagem à China e aos Emirados Árabes Unidos que tanto Moscou quanto Kiev agiram pela deflagração da guerra. O petista já disse também que americanos e europeus incentivam o conflito.
“Nós acreditamos que é profundamente problemático como o Brasil abordou de forma substancial e retórica esta questão, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra”, disse John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional da Presidência dos EUA, sem citar Lula. “Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo propaganda russa e chinesa sem olhar para os fatos.”
Kirby afirmou que os EUA querem o fim da guerra e apoiam os apelos do presidente ucraniano Volodomir Zelenski. De acordo com o porta-voz americano, o fim do conflito poderia ser imediato, caso o presidente russo Vladimir Putin parasse de atacar.
O porta-voz da Comissão Europeia, Peter Stano, negou que as ações do bloco tenham alimentado o conflito e enfatizou que a Rússia é a agressora. “A verdade é que a Ucrânia é vítima de uma agressão ilegal que viola a Carta das Nações Unidas”, disse. Stano lembrou que o Brasil votou a favor da resolução nas Nações Unidas que condena a decisão de Moscou de invadir a Ucrânia.
Stano agradeceu a sugestão de Lula de criar um G-20 para buscar uma solução pacífica. Segundo ele, a União Europeia apoia iniciativas de paz desde antes da invasão e todas elas foram respondidas por Putin com escalada de hostilidades.
O estopim da reação das potências ocidentais são as recentes declarações de Lula. “A decisão da guerra foi tomada por dois países”, disse, antes de deixar os Emirados Árabes.
A guerra, porém, começou em 24 de fevereiro de 2022, quando bombas russas foram lançadas contra alvos militares ucranianos. A ordem para o início da ação foi dada por Putin em represália a uma suposta aproximação da Ucrânia com os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A comunidade internacional condenou a investida russa contra o país vizinho.
Chanceler brasileiro, Vieira tratou das declarações dos Estados Unidos e da Europa, no início da noite desta segunda, no Palácio da Alvorada. Foi na residência oficial que Lula recebeu Lavrov. O russo chegou cedo à capital federal e seguirá em viagens oficiais por Venezuela, Nicarágua e Cuba – regimes autoritários de esquerda.
“Não concordo de forma alguma (com a fala de Kirby)”, disse Vieira, ao ser questionado por jornalistas. “Eu não sei como ou por que ele chegou a essa conclusão”, afirmou. “Na conversa tanto comigo quanto com o presidente não entramos em questões de guerra, entramos em questões de paz.”
Mais cedo, Lavrov afirmou no Palácio do Itamaraty que o Brasil e a Rússia têm visão coincidentes sobre a guerra. Segundo ele, os russos querem uma solução duradoura para o conflito e não de imediato. Ele agradeceu a proposta do grupo de paz e a rejeição do Brasil às sanções unilaterais.
“As visões do Brasil e da Rússia são únicas em relação aos acontecimentos na Rússia”, afirmou Lavrov, ao lado de Vieira. A declaração foi traduzida, em inglês, pelo Ministério das Relações Exteriores russo como “abordagem similar” do Brasil e da Rússia para s acontecimentos no mundo.
Já Vieira disse que defendeu a paz. “Reiterei nossa posição em favor de um cessar-fogo imediato, de respeito ao direito humanitário e de uma solução negociada com vistas a uma paz duradoura que contemple as preocupações securitárias de ambos os lados”, disse, antes de almoço com seu homólogo. O assessor especial da Presidência Celso Amorim, recentemente recebido em Moscou por Putin, também participou da recepção.
Esta é a primeira viagem de Lavrov ao Brasil desde o início da guerra na Ucrânia. O longevo diplomata, que no ano que vem completa 20 anos à frente do Ministério das Relações Exteriores, desembarcou sob forte aparato de segurança, com ao menos 18 agentes russos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.