BRASÍLIA - Um dos principais integrantes do “gabinete do ódio” do governo Jair Bolsonaro (PL), Tércio Arnaud Tomaz criou grupos de WhatsApp para abastecer a militância com informações falsas e favoráveis ao então candidato à reeleição na campanha de 2022. O Estadão teve acesso a mensagens enviadas por ele durante o 1º e o 2º turnos da eleição, inclusive, durante o horário em que ele estaria no expediente como assessor especial da Presidência da República.
A defesa de Arnaud afirma desconhecer a existência dos grupos. Nesta quinta-feira, 8, Tercio Arnaud foi alvo de buscas na Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal. Ao autorizar a ação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou que o ex-assessor, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o tenente-coronel Mauro Cid, por exemplo, integravam o “núcleo de desinformação e ataques ao Sistema Eleitoral”.
Os grupos de WhatsApp foram criados em 2022, segundo Arnaud, “para ajudar na reeleição do presidente” e seriam usados “tipo uma lista de transmissão”. Eram pelo menos nove grupos e reuniam centenas de apoiadores de Bolsonaro. Entre 9 e 30 de outubro daquele ano, o ex-assessor disparou mensagens que tinham o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como alvo principal de informações falsas e exageradas.
“Em Lula 2 (2007-2010), centenas de bilhões de reais desviados das estatais e do povo brasileiro para enriquecer a si; mais de 300 condenações e financiar ditaduras na América Latina (petrolão/Lava Jato)”, dizia uma das mensagens disparadas por Arnaud.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi outro alvo de Tercio Arnaud. O ex-assessor encaminhou uma mensagem aos apoiadores, afirmando que o Tribunal havia se transformado “num clube, onde eles tudo decidem, até quem deva ou não se eleger presidente da República”. Arnaud também enviou outra mensagem, referindo-se à alegação do PL de que teria havido falhas na veiculação de propaganda em rádios durante as eleições. Na versão propagada pelo ex-assessor, a exoneração do servidor da Corte Alexandre Gomes Machado seria “mais uma prova da fraude”.
Arnaud também tentou vincular Lula ao tráfico de drogas, afirmou que o petista voltaria à Presidência “para destruir nosso país e nossas famílias” e compartilhou que a “esquerda” defendia a pedofilia. O ex-assessor também provocou a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, por WhatsApp. Em 16 de outubro, durante o debate da TV Bandeirantes, Tercio Arnaud encaminhou um vídeo e uma foto de Janja bocejando enquanto Bolsonaro falava.
“Janja provocando o pr (presidente da República). Desesperada”, dizia a mensagem enviada pelo ex-assessor. Arnaud não incluiu nenhum contexto sobre o momento ou a disposição das cadeiras de convidados no local do debate.
Tercio Arnaud era o braço-direito do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho de Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto. As publicações do ex-assessor para a rede de apoiadores nos grupos fechados do aplicativo de conversa costumavam ser acompanhadas de ordens para compartilhamento em massa, para “rodar nas redes” e até um pedido para que um vídeo chegasse “no celular de todos os brasileiros”.
“Vídeo importante de viralizar”, disse em outra mensagem.
A investigação da Operação Tempus Veritatis aponta que, a partir de julho de 2022, Jair Bolsonaro cobrou de aliados e de ministros um discurso incisivo contra o sistema de votação. Os investigadores afirmam que o objetivo era a “promoção e a difusão, em cada uma de suas respectivas áreas, de desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público”.
Com o fim das eleições e a vitória de Lula, o ex-assessor de Bolsonaro mudou o nome da lista para “Grupo será apagado”. O número de telefone usado pelo ex-assessor para criar o grupo e compartilhar o material foi o mesmo cadastrado por sua campanha a suplente de senador de Bruno Roberto (PL-PB), junto ao TSE. Arnaud não se elegeu.
O que Arnaud falava nos grupos de WhatsApp
Tércio Arnaud tinha liberdade para enviar mensagens nos grupos de WhatsApp. Como eram canais restritos, que falavam diretamente para militantes, as conversas não entravam no radar de agências de checagem e não eram alcançadas por ordens judiciais para exclusão de conteúdos.
Uma informação falsa divulgada pelo ex-assessor que ganhou forte tração contra Lula nas redes sociais foi a vinculação da sigla “CPX” com o termo “cupinxa”. A palavra, com “ch”, é sinônimo de “companheiro” e, por vezes, utilizada como tratamento entre criminosos. O TSE determinou a remoção das montagens de redes sociais, mas nos grupos de Tércio, as montagens podiam circular livremente.
O ato no Complexo do Alemão, no qual Lula usou o boné com a sigla “CPX”, havia sido organizado pelo ativista e jornalista Rene Silva, fundador do Voz das Comunidades, com apoio de lideranças e instituições locais. “Essa sigla não tem conexão nenhuma com facções criminosas ou significados relacionados ao crime. ‘CPX’ é uma abreviatura da palavra Complexo”, disse.
Às vésperas do 2º turno, o então ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino determinou que o Twitter (atual X) removesse as publicações que ligassem Lula a “cupinxa”, sob pena de multa de R$ 50 mil. “É forçoso reconhecer que a propagação desses conteúdos, sem nenhum respaldo probatório, tem o potencial de interferir negativamente na vontade do eleitor”, escreveu Sanseverino.
Em outros momentos, Arnaud compartilhou: “Lula admite que é o único candidato a presidente da República que consegue entrar nas favelas. Por que será????”. A tentativa de vincular Lula ao tráfico em outro episódio foi alvo do TSE. Nesta quinta, o Tribunal decidiu, por maioria de votos, aplicar multa de R$ 15 mil a Bolsonaro por propagar desinformação e notícia falsa que associava o petista à facção Primeiro Comando da Capital (PCC), durante a campanha eleitoral de 2022.
A rotina de compartilhamento de mensagens acompanhava a campanha, incluindo a divulgação de material eleitoral oficial de Bolsonaro. Durante entrevistas e debates, Arnaud enviava aos apoiadores vídeos cortados com falas de Bolsonaro e erros de Lula. Além dos ataques ao petista, o ex-assessor também tratava de temas como drogas e aborto. Arnaud chegou a enviar uma imagem de um feto ensanguentado.
Em momentos de crise, como no caso de uma fala de Bolsonaro sobre imigrantes venezuelanas, Arnaud enviou aos apoiadores as justificativas que poderiam ser compartilhadas. Em outubro de 2022, o então presidente afirmou que meninas venezuelanas, que ele havia encontrado na periferia de Brasília, estavam “arrumadinhas”.
Em 16 de outubro, Arnaud encaminhou um vídeo, às 2h55 da madrugada, no qual o senador Magno Malta (PL-ES) defendia Bolsonaro. Às 17h09, enviou um link que informava que a fala do presidente não significava pedofilia. “Divulgar em massa”, pediu.
Qual era a função de Tércio Arnaud na Presidência
No fim do governo Bolsonaro, Arnaud recebia um salário de R$ 13.623,39 no cargo de assessor especial da Presidência. Pela função, era responsável por subsidiar o então presidente com informações, além de preparar encontros e audiências com autoridades e personalidades nacionais e estrangeiras. Cabia ainda ao setor, planejar viagens presidenciais no Brasil e no exterior.
Arnaud foi nomeado como assessor em janeiro de 2019, no início do governo Bolsonaro. Ficou no cargo até 30 de junho de 2022, quando saiu e concorreu a suplente de senador pelo PL da Paraíba. Em 3 de outubro, após perder a eleição, retornou ao posto. Em seguida, fez cinco viagens com Bolsonaro durante a campanha eleitoral, em outubro, segundo o Portal da Transparência.
Nesta quinta, Tércio Arnaud foi alvo de mandado de busca e apreensão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes. O magistrado o proibiu de deixar o país e de manter contato com outros investigados. O ex-assessor também terá de entregar o passaporte às autoridades.
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