Ex-assessor de Lira deu ‘apoio operacional’ a entregadores de dinheiro em Maceió, diz PF

Casal de operadores do suposto esquema de propinas envolvendo kits de robótica passou cinco dias na capital alagoana com uma caminhonete que também é usada pela mulher de Luciano Cavalcante, ex-auxiliar da liderança do PP ligado ao presidente da Câmara

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Foto do author Julia Affonso
Atualização:

O ex-assessor do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), Luciano Cavalcante, investigado por supostamente integrar um esquema de compra de kits de robótica, deu “apoio operacional” a um casal de Brasília que entregava dinheiro vivo, durante uma passagem por Maceió, aponta um relatório da Polícia Federal. O ex-auxiliar emprestou um carro de alto padrão para os operadores do esquema se movimentarem pela capital alagoana durante cinco dias, em janeiro deste ano.

Cavalcante foi exonerado do gabinete da liderança do PP em 2 de junho, um dia após ser alvo da Operação Hefesto, da PF. Ele já havia trabalhado diretamente com Lira, e sua mulher e seu irmão foram empregados por indicação do presidente da Câmara na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), estatal com recursos milionários, em Maceió.

Relatório da Polícia Federal aponta que carro estacionado na casa de Luciano Cavalcante (ao telefone) está em nome de um policial civil de Alagoas. Foto: Reprodução/PF

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A caminhonete Toyota Hilux usada pelos operadores durante a estadia na capital alagoana está em nome do policial civil Murilo Sergio Juca Nogueira Junior. O agente também é investigado pela Polícia Federal. Em um endereço ligado a ele, a Operação Hefesto apreendeu uma mala e um cofre lotados de dinheiro vivo. Embora o veículo esteja em nome do policial, o casal de Brasília devolveu o carro na casa de Luciano Cavalcante, ao fim da viagem.

O policial civil aparece nas investigações como destinatário de R$ 550 mil do empresário Edmundo Leite Catunda Júnior, sócio da Megalic LTDA - fornecedora de kits de robótica para municípios alagoanos -, entre 24 de abril e 23 de outubro de 2020. A PF identificou que a empresa enviou outros R$ 300 mil a Nogueira Júnior entre 2 e 31 de janeiro de 2020. De acordo com as apurações da Polícia Federal, os contratos superfaturados de dezenas de prefeituras para compra de kits estão no centro do esquema, efetivado por meio do repasse de emendas do orçamento secreto, revelado pelo Estadão.

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No relatório da Operação Hefesto, a PF afirma que Luciano Cavalcante e a mulher dele, Glaucia Maria de Vasconcelos Cavalcante, são “prováveis” beneficiários finais do fluxo de dinheiro originado na Megalic. A polícia afirma que os valores saíam da empresa, eram transferidos a pessoas jurídicas de fachada e “usufruídos por meio da utilização do veículo Hilux e da magnífica casa construída no luxuoso condomínio”.

A Polícia Federal passou meses monitorando o passo a passo dos integrantes do suposto esquema e registrou, em vídeos e fotos, a atuação do grupo em cidades como Brasília, Anápolis (GO), Goiânia e Maceió. Os policiais identificaram que um casal fazia saques em dinheiro vivo e entregava em diversos endereços.

Em uma dessas atuações, Pedro Magno Salomão Dias e Juliana Cristina Batista Salomão Dias foram flagrados chegando à casa de Luciano Cavalcante, em um condomínio de alto padrão em Maceió, para entregar o carro que usaram durante a estadia na capital. Segundo a PF, o condomínio é um dos locais “mais luxuosos da cidade, abarcando a presença de moradores ilustres da alta elite social da capital alagoana”. Na Câmara, o ex-assessor recebia um salário de R$ 14,7 mil.

PF registrou a ida de Pedro Magno a três agências bancárias em Maceió em 26 de janeiro deste ano Foto: Reprodução/PF

A PF acompanhou a viagem do casal por Alagoas entre 26 e 30 de janeiro. O objetivo, segundo o relatório, era registrar a ida de ambos a bancos da cidade para ver, em seguida, em quais locais eles entregariam os valores. No primeiro dia em Maceió, o casal foi flagrado pelos agentes em três agências bancárias. Lá, sacaram ao menos R$ 115 mil.

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“Chama muita atenção o deslocamento de Pedro Magno e Juliana para Maceió-AL para realização de saques em espécie em agências bancárias e, logo em seguida, realizar pagamentos para terceiros”, apontou a polícia.

O relatório da PF registrou que, após sair de uma das agências, Pedro Magno estava com uma bolsa “rechonchuda, bastante volumosa, aparentando possuir vultosa quantia em dinheiro”. O entregador esteve em um edifício empresarial e, segundo a polícia, saiu de lá sem os valores. A PF não identificou, no circuito interno de câmeras, qual foi a sala onde Pedro Magno esteve.

Por meio do circuito interno de câmeras de um edifício empresarial em Maceió, a Polícia Federal identificou a entrada e a saída de Pedro Magno com uma mala preta Foto: Reprodução/PF

Entre 27 e 29 de janeiro, o casal fez “passeios pelos principais pontos turísticos das praias do litoral sul e norte” de Alagoas. No dia 30, foram à praia, almoçaram “em um renomado restaurante na orla” de Maceió, abasteceram o carro que estavam usando e foram até a casa de Luciano Cavalcante. Lá, registrou a PF, ficaram cerca de 15 minutos e, em seguida, foram levados ao aeroporto da capital na mesma caminhonete.

“Chama atenção também o apoio operacional fornecido por Glaucia Maria e Luciano durante a estadia em Alagoas de Pedro Magno e Juliana, que têm se mostrado como uma profissão de ‘operadores nacionais’ de uma verdadeira ‘lavandaria’ do grupo criminoso”, destacou a PF.

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“Também causou estranheza que o veículo e a residência utilizados por Glaucia Cavalcante e Luciano Cavalcante estão diretamente relacionados com pessoas físicas e jurídicas que receberam exatamente o mesmo valor e no mesmo período de Edmundo Leite Catunda Júnior, um dos sócios da empresa Megalic.”

A PF registrou a chegada de Pedro Magno e Juliana, com a caminhonete do policial Murilo Nogueira Júnior, na casa de Luciano Cavalcante Foto: Reprodução/PF

A PF afirmou ainda no relatório que, após o retorno do casal a Brasília, a Hilux foi usada por Glaucia Cavalcante. Em 31 de janeiro, a polícia flagrou a mulher do ex-assessor do PP ao volante da caminhonete. “A identificação de Glaucia Maria foi realizada a partir de vigilância policial, justamente no momento em que a condutora daquele veículo estava no interior de uma padaria na Ponta Verde, Maceió-AL”, registrou a Federal.

O escritório Bosco, Sales e Antunes - Advogados Associados, que defende o casal Pedro Magno Salomão Dias e Juliana Cristina Batista Salomão Dias, afirmou que “P. M. S. D e J. C. B. S. D.” não têm “nenhum envolvimento com as supostas fraudes no processo licitatório apontado nas investigações”. Segundo a defesa, o casal está “à disposição dos órgãos da persecução penal para colaborar com as investigações, conforme fizeram durante depoimento perante a Polícia Federal” em 1º de junho.

O advogado André Callegari, que defende o ex-assessor de Lira, afirmou que até agora “só há imagens na investigação e que elas isoladamente não indicam nenhum ato ilícito praticado pelos investigados, muito menos por Luciano, que sequer aparece nelas”. Segundo ele, “os fatos serão devidamente esclarecidos no decorrer das investigações e após a conclusão do inquérito”.

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A defesa de Murilo Sergio Juca Nogueira Júnior não foi localizada.

Lira já declarou publicamente que não tem relação com qualquer irregularidade ligada à compra de kits de robótica pelo FNDE. Como mostrou o Estadão, o presidente da Câmara direcionou recursos do orçamento da União para cidades alagoanas que acabaram utilizando o dinheiro para a compra dos kits investigados pela PF.

Após a deflagração da operação, o advogado Eugênio Aragão, que defende a Megalic, afirmou que “todas as aquisições se deram a partir de parâmetros técnicos delineados pelo Ministério da Educação e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação”. Segundo o advogado, as compras “foram precedidas de processo licitatório legal e com ampla competitividade”. Aragão disse ainda que após “avaliação minuciosa” do inquérito seria possível “demonstrar o grave equívoco nas acusações contra as aquisições de kits de robótica educacional”.

“O processo de contratação desses kits já foi analisado, em recente ocasião, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e foi afastada a hipótese de restrição indevida à competitividade ou de direcionamento a uma única empresa”, afirmou Aragão.

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“Cabe ressaltar que a mesma auditoria considerou o preço das contratações compatível com contratações similares de outros fornecedores. O tribunal chegou a essa conclusão a partir de auditoria detalhada e aprofundada e determinou que as prefeituras que já tivessem concluído o processo de aquisição fizessem os devidos pagamentos à empresa.”

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