Ex-prefeito paulista é cobrado em R$ 830 mil por nomear envolvido com PCC como secretário

Jarbas Ezequiel de Aguiar disse ao Estadão não saber de movimentação processual e irá contatar advogado para se inteirar dos fatos; dados do Tribunal de Justiça de São Paulo mostram que o ex-chefe do Poder Executivo ainda não foi notificado de cumprimento de sentença

PUBLICIDADE

Foto do author Heitor Mazzoco
Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

No dia 1º de janeiro de 2017, o professor de ensino médio Jarbas Ezequiel de Aguiar, à época no Partido Verde, tomou posse como prefeito de Biritiba Mirim (a 83,8 km da capital paulista), depois de duas derrotas consecutivas em busca da cadeira mais importante da cidade (2008 e 2012).

PUBLICIDADE

Naquele mesmo dia de festa, Aguiar assinou um documento que ainda custa caro. A primeira nomeação do então prefeito foi para colocar Ronaldo Júlio de Oliveira, conhecido como Ronaldo Porco, na Secretaria de Governo e como tesoureiro. Por causa da portaria 001, de 2 de janeiro de 2017, Aguiar é, hoje, cobrado na Justiça em R$ 828.100,44 (valores de julho de 2023). Ele ainda perdeu os direitos políticos por cinco anos.

Isso porque o então prefeito foi condenado por nomear Ronaldo Porco, que na época da nomeação já havia sido sentenciado em duas instâncias por lavar dinheiro para um integrante da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Procurado, o ex-prefeito diz que ainda precisa se inteirar do processo e não comentou o teor as acusações (veja abaixo).

De acordo com o Ministério Público (MP), que acionou Aguiar na Justiça, o ex-prefeito sabia dos problemas judiciais de Ronaldo Porco e, mesmo assim, o colocou na administração pública. Porco deixou o cargo por vontade própria em março daquele ano.

O processo aberto em 2017 está em fase de execução - a pedido da Prefeitura de Biritiba Mirim. Nesta fase, não há recursos para livrar o ex-prefeito da condenação imposta com base na lei de improbidade administrativa. O Ministério Público se manifestou em favor da execução da dívida.

A aproximação de Aguiar e Ronaldo Porco começou na campanha eleitoral de 2016, segundo o MP. Apontado como auxiliar de um integrante do PCC, Ronaldo Porco havia sido secretário em Ferraz de Vasconcellos, também na Grande São Paulo. Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) mostram que ele também responde a processo criminal por suposta fraude em licitações da época em que foi titular de pasta em Ferraz de Vasconcellos.

Como o Ministério Público ligou Ronaldo Porco ao PCC?

Uma investigação do Ministério Público apurou uma ligação entre Ronaldo Porco e Carlos Alberto Silva, conhecido como “Balengo”. “Balengo, como integrante do PCC, dominava pontos de tráfico de drogas e integrava grupo criminoso que atuava no roubo a bancos”, disse na inicial da ação o promotor Feliipe Duarte Paes Bertolli.

Publicidade

O criminoso morreu durante troca de tiros com policiais na tentativa de fugir após roubo realizado em uma agência do antigo Banco Real, de Guarulhos, também Grande São Paulo, em 2008. Na ocasião, um policial foi morto pelos bandidos, uma pessoa que passava pelo local foi atingida por uma “bala perdida” e outras 12 ficaram feridas. Um fuzil Ar-15 foi aprendido na ocasião pelo policiais.

“Após esse crime gravíssimo, investigações comprovaram que Ronaldo Júlio de Oliveira, Ronaldo Porco, secretário de Governo escolhido por Jarbas Ezequiel de Aguiar, e sua esposa, Ana Maria Santos de Oliveira, atuaram na lavagem de dinheiro de Carlos Alberto Silva, Balengo, integrante do PCC, mediante a aquisição de dois imóveis de luxo nos municípios de Mogi das Cruzes e Bertioga. Ronaldo Júlio de Oliveira e Ana Maria Santos de Oliveira agiram como interpostas pessoas para aquisição dos referidos imóveis em favor de Carlos Alberto Silva, Balengo, que os utilizou, inclusive, como esconderijo”, afirmou o promotor Bertolli na ocasião.

Na sentença, o juiz Bruno Machado Miano, da Vara da Fazenda de Mogi das Cruzes, citou que foi comprovado no processo que Aguiar sabia da atuação criminosa de Ronaldo Porco.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

“Note-se bem: o réu afirmou que conhecia o envolvimento criminal dele com o PCC. Mais: disse que sabia que ele havia sido condenado e que buscava apenas reverter o regime de início de cumprimento da pena. De resto, para um administrador que cuida da coisa pública, essa informação bastaria para mandar fazer uma pesquisa pormenorizada sobre a pessoa que estava nomeando. O acórdão era e é público; por meio dele, mandou-se expedir mandado de prisão contra Ronaldo Júlio de Oliveira, que, ainda assim, foi nomeado secretário municipal de Biritiba Mirim e tesoureiro das contas municipais”, apontou o magistrado Machado Miano.

Um dos pontos da defesa de Aguiar foi afirmar desconhecimento de trânsito em julgado da ação contra Ronaldo Porco, ou seja, que não havia mais como entrar com recursos. A defesa alegou ainda que o então prefeito não respondia processos e recebeu prêmios como bom gestor público. “Nem há que se falar que o réu desconhecia a existência de trânsito em julgado da condenação criminal, ou de eventual suspensão dos direitos políticos de Ronaldo Júlio. Não é disso que se trata, mas sim da imoralidade em nomear para um cargo de confiança, estratégico do Município, um sujeito que em 1º e 2º Graus já fora condenado por envolvimento com abjeta organização criminosa”, citou o juiz.

Jarbas Aguiar, quando ainda era prefeito, em 2018 Foto: Divulgação/Prefeitura Municipal de Biritiba Mirim

Jarbas Ezequiel Aguiar hoje atua como professor da rede estadual paulista. De acordo com o Portal da Transparência do Governo de São Paulo, o vencimento de Aguiar para o mês de dezembro foi de R$ 6.476,34 (bruto). O valor é o mais atualizado até o dia 16 de fevereiro último, quando o Estadão realizou a consulta junto ao Portal da Transparência do Governo de São Paulo. Já Ronaldo Porco está em liberdade e trabalha como vendedor em Ferraz de Vasconcellos.

O Estadão procurou advogado que aparece como defensor de Jarbas Ezequiel Aguiar no processo, mas ele informou que não advoga mais para o ex-prefeito. Outros dois defensores não foram encontrados. Em contato telefônico, Aguiar limitou-se a afirmar à reportagem que vai se inteirar dos fatos com advogado e não comentou o teor das acusações. De acordo com sistema do TJ-SP, ele ainda não foi notificado do andamento de cumprimento de sentença. O advogado de Ronaldo Júlio de Oliveira, o Ronaldo Porco, não foi encontrado para comentar sobre o assunto. O espaço está aberto para manifestação.

Publicidade

Ouça também o podcast Estadão Notícias sobre a série que mostra as conexões políticas do crime organizado no país:

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.