RIO – Tragados para o centro da crise política por envolvimento em escândalos de corrupção, má gestão pública e omissão diante de arroubos golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), as Forças Armadas expulsaram ao menos 16.266 militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na última década. Dados obtidos pelo Estadão, via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram ainda que o comando militar foi mais indulgente com as Forças aérea e naval durante o período de governo do capitão da reserva do Exército. O número de punições caiu 28% no mandato de Bolsonaro.
Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid deve ser o próximo a ingressar na lista de excluídos da tropa brasileira. Com acusações de falsificação de documentos, uso de cargo público para o cometimento de delitos, além de possíveis imputações por participação na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro e nas investigações sobre o caso das joias da Arábia Saudita, o alto comando das Forças aguarda apenas uma definição jurídica das imputações sobre Cid.
Caso seja punido, o ex-braço-direito de Bolsonaro engrossará a lista de 16 mil militares expulsos apenas do Exército, de 2012 a 2023, de acordo com o Departamento-Geral do Pessoal do Estado-Maior do Exército. É o caso, por exemplo, de Ailton Gonçalves Moraes Barros, major bolsonarista autodeclarado o “01 de Bolsonaro”, investigado pela Polícia Federal (PF) por participação no esquema de fraudes em dados de vacinação da covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde. Ele foi expulso do Exército, em 2006, após o Superior Tribunal Militar entender que havia “robusto” conjunto de provas que indicaram que o comportamento e as atitudes do então capitão não eram “condizentes” com sua situação de oficial.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva foi professor do tenente-coronel Mauro Cid na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme). Especialista em assuntos militares, Teixeira foi assessor do Ministério da Defesa até a ascensão de Bolsonaro ao poder. De acordo com o professor, o Comando do Exército já deveria ter aberto um inquérito policial militar contra Cid para apurar as denúncias contra ele, e que a Força “fecha os olhos” para a politização dos quartéis.
“Por mais que seja severo do ponto de vista ético, de comportamento, as Forças fecham os olhos para a questão política. Não há um nível de punição para expressões públicas, declarações políticas, discussão e declarações contrárias à políticos. Há um baixíssimo nível de punição. Isso mostra, desde 1923, desde o Tenentismo, a politização das Forças Armadas”, explica o historiador.
Segundo Teixeira, o caso de Cid expõe o Exército Brasileiro: “O Exército fechou os olhos para o aspecto político do caso de Cid. Isso só mudou quando surgiram as evidências sobre a falsificação da caderneta de saúde. Para o Exército é um crime grave. A partir de então, a blindagem em torno dele apresentou fissuras. Acredito que se trata de uma estratégia de deixar consumar todas as investigações civis para depois requisitar uma mudança de Cid para uma prisão militar e abrir um inquérito militar, menos rigoroso, no caso dele, do que seria a Justiça comum. Me parece uma tentativa de obstar o trabalho da Justiça militar”, diz.
Ailton foi acusado de uma série de “graves irregularidades”, sendo que o STM nem chegou analisar parte delas, em razão da prescrição dos episódios. A expulsão levou em consideração casos em que o então capitão desacatou outros oficiais e fez críticas ao Exército em entrevistas.
Os militares podem ser licenciados ou excluídos das fileiras das Forças Armadas de acordo com os critérios estabelecidos pelo Estatuto dos Militares. Segundo o relatório disciplinar das Forças, a expulsão poderá ser aplicada quando houver uma sentença transitada em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos, com pena de prisão de dois anos, ou quando o militar cometer algum crime contra a segurança do Estado.
Segundo o cientista político Marcus Ianoni, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a manutenção de Mauro Cid nas Forças Armadas deve ser revista após uma condenação em definitivo.
“O caso envolvendo o tenente-coronel Mauro Cid ganha, cada dia mais, elementos sólidos de envolvimento dele nas acusações em curso. Em caso de condenação, além de ser insustentável politicamente mantê-lo nas Forças, o Código Militar é claro sobre os preceitos para a expulsão. As Forças Armadas são cautelosas em mantê-lo enquanto não há condenação”, diz Ianoni.
Menos punições no governo Bolsonaro
Dados levantados pelo Estadão mostram que durante os quatro anos do governo Bolsonaro, Marinha e Aeronáutica afastaram e expulsaram menos militares do que as gestões de Dilma Rousseff (PT), nos dois mandatos, e Michel Temer (MDB), proporcionalmente aos anos de governo.
Foram 1.378 militares da Marinha e da Aeronáutica punidos desde 2012: 266 expulsos e 1.112 afastados. O número de punições caiu 28% durante os últimos quatro anos, se comparado aos três anos da gestão de Temer e o primeiro ano do segundo mandato de Dilma (de 2015 a 2018).
O Exército informou que possui 672 organizações militares em todo o País, onde quase a totalidade delas possui autonomia administrativa para realizar os procedimentos disciplinares necessários, de forma descentralizada. Segundo o Exército, a instituição não possui um órgão específico que centralize os documentos sobre o motivo da expulsão, produzidos nas unidades.
De acordo com o professor Francisco Teixeira, os casos mais comuns de punição no Exército envolvem peculato e falsidade ideológica.
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