BRASÍLIA - O Exército Brasileiro reclamou oficialmente nesta quarta-feira, dia 10, da expulsão do coronel Ricardo Sant’Ana dos trabalhos de fiscalização das eleições e desistiu de indicar um substituto. Ele fora flagrado nas redes sociais propagando mensagens de viés político e desinformação sobre as urnas eletrônicas, objeto de inspeções que realizava na Justiça Eleitoral. Por meio de nota interna, o Exército queixou-se da forma como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conduziu o caso, excluindo o oficial sem consultar o Comando Geral e tampouco o Ministério da Defesa.
“Baseado em ‘apuração da imprensa’ e de forma unilateral, sem qualquer pedido de esclarecimento ou consulta ao Ministério da Defesa ou ao Exército Brasileiro, o TSE ‘descredenciou’ o militar. Dessa forma, o Exército não indicará substituto e continuará apoiando tecnicamente o MD nos trabalhos julgados pertinentes”, diz o comunicado da Força Terrestre.
O caso virou um novo embate político entre a Justiça Eleitoral e a Defesa. A nota do Exército evidencia o grau de insatisfação no Alto Comando com a decisão dos ministros Edson Fachin, atual presidente do TSE, e Alexandre de Moraes, que assume a Corte no dia 16 de agosto. Eles assinaram juntos o documento de exclusão do coronel Sant’Ana das atividades de auditoria das eleições e cobraram “isenção dos que se arvoram como fiscalizadores”. Os generais se sentiram atropelados pela cúpula do TSE e saíram agora em defesa do oficial.
Com um oficial a menos, agora a equipe de militares de Exército, Marinha e Aeronáutica que fiscaliza o processo eletrônico de votação passará a ter nove integrantes. Por decisão do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, eles foram vinculados ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Embora generais admitam que a falta de um substituto possa retardar os trabalhos, argumentam que foi uma forma de reagir ao que consideraram uma atitude precipitada da Corte - punir o oficial com a expulsão antes que ele pudesse se defender.
O coronel da ativa fazia publicações de caráter político-partidário em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que é candidato à reeleição e questionava a segurança da votação eletrônica. Cópias das postagens foram publicadas pelo site Metrópoles há cinco dias. Ele excluiu o próprio perfil na plataforma após a revelação. Em uma das postagens, Ricardo Sant’Ana comparou a segurança das urnas eletrônicas a uma loteria. Em outra, compartilhou a mensagem: “Votar no PT é exercer o direito de ser idiota”.
“A posição de avaliador da conformidade de sistemas e equipamentos não deve ser ocupada por aqueles que negam prima facie o sistema eleitoral brasileiro e circulam desinformação a seu respeito. Tais condutas, para além de sofrer reprimendas normativas, têm sido coibidas pelo TSE através de reiterados precedentes jurisprudenciais”, escreveram os ministros ao determinar o descredenciamento do coronel.
Apuração
O Comando do Exército não esclareceu a que tipo de apuração o coronel foi ou será submetido. O Exército havia informado que Sant’Ana poderia responder a um formulário de apuração de transgressão disciplinar ou a uma sindicância interna. O processo seria conduzido inicialmente pelo general de Divisão Eduardo Wolsk, chefe imediato do coronel e comandante do Centro de Desenvolvimento de Sistemas (CDS).
O uso das redes socais pelos militares, mesmo que perfis pessoais, deve estar em acordo com o Estatuto dos Militares e o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que proíbem manifestações político-partidárias.
Na nota, a força defendeu o coronel Ricardo Sant’Ana, apesar da ampla repercussão negativa do episódio, que expôs falta de controle sobre o uso das redes sociais pelo oficial em afronta às normas da caserna. O Exército reiterou que pretendia “esclarecer os fatos” antes de tomar providências.
“Especificamente em relação ao oficial, cabe destacar que foi selecionado mercê de sua inequívoca capacitação técnico-científica e de seu desempenho profissional”, diz o Centro de Comunicação Social do Exército. “Todavia, após tomar conhecimento das notícias veiculadas, já no final da semana passada, o Exército, como usualmente faz nesses casos, buscou esclarecer os fatos antes de tomar quaisquer providências, eventualmente precipitadas ou infundadas.”
Em privado, oficiais já avaliavam que as evidências eram robustas e que o militar foi “tremendamente irresponsável” no uso de seu perfil pessoal. Militares da ativa confidenciaram que o episódio contaminou a participação da Defesa na fiscalização das eleições.
Os militares disseram que o ministro Edson Fachin, presidente do TSE, atropelou as intenções do Exército de trocar Sant’Ana. Para um deles, não havia necessidade de Fachin excluir o coronel por conta própria. Eles reconheceram, no entanto, que houve demora na escolha do substituto e nas providências de apuração.
O Exército promoveu uma seleção interna para escolha do substituto de Sant’Ana. Dois dias atrás, o nome mais cotado era o do tenente-coronel Gleyson Azevedo da Silva, também do CDS. Ele foi apontado internamento como indicado, mas a nomeação nem sequer foi oficializada pelo Ministério da Defesa.
Assim como o antecessor, o tenente-coronel fez postagens de viés político em redes sociais. Em ao menos três publicações antigas no Instagram, o tenente-coronel manifestou-se contra o PT, a esquerda e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, agora candidato novamente ao Palácio do Planalto, e Dilma Rousseff. Ele escreveu palavras de ordem como “Lula na cadeia” e “Fora PT”.
“Segundo este canalha, que se autoproclama como o mais honesto, até o Eduardo Cunha seria mais honesto que aqueles que vejo doarem suor e sangue trabalhando ou tentando o serviço público”, escreveu o tenente-coronel, em 2016. A mensagem era a legenda de um vídeo com o pronunciamento de Lula durante investigações da Operação Lava Jato, na qual seria condenado e preso - os processos por corrupção foram anulados.
Leia a íntegra da nota divulgada pelo Exército:
Em relação às notícias veiculadas a respeito do “descredenciamento” de um militar do Exército Brasileiro, integrante de equipe técnica do Ministério da Defesa (MD) junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Centro de Comunicação Social do Exército informa que:
1. O trabalho da equipe das Forças Armadas, particularmente dos representantes do Exército Brasileiro, é eminentemente técnico e realizado de forma coletiva por seus integrantes, além de ser estritamente institucional, como se supõe que devam ser os trabalhos de todas as demais equipes participantes do processo.
2. A participação de técnicos do Exército na equipe do MD segue rigorosamente as normas e as prerrogativas legais estabelecidas e legitimadas pela própria Resolução do TSE nº 23.673, de 14 de dezembro de 2021, que dispõe sobre os procedimentos de fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação. Assim, não há interferências das posições pessoais dos integrantes nas tarefas das equipes, sendo o trabalho realizado de forma profissional e isenta.
3. Especificamente em relação ao oficial, cabe destacar que foi selecionado mercê de sua inequívoca capacitação técnico-científica e de seu desempenho profissional.
4. Todavia, após tomar conhecimento das notícias veiculadas, já no final da semana passada, o Exército, como usualmente faz nesses casos, buscou esclarecer os fatos antes de tomar quaisquer providências, eventualmente precipitadas ou infundadas.
5. Baseado em “apuração da imprensa” e de forma unilateral, sem qualquer pedido de esclarecimento ou consulta ao Ministério da Defesa ou ao Exército Brasileiro, o TSE “descredenciou” o militar. Dessa forma, o Exército não indicará substituto e continuará apoiando tecnicamente o MD nos trabalhos julgados pertinentes.
6. O Exército tem consciência de suas atribuições e da isenta competência técnica, da dedicação e do comprometimento de seus profissionais.
7. Por fim, cabe ressaltar que o Exército Brasileiro, Instituição Nacional e Permanente, sempre participou nas ações de Garantia de Votação e Apuração, seja em aspectos de segurança, seja no apoio logístico, particularmente, nos rincões mais distantes do País.
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