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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|A esquerda juvenil brasileira torce para Donald Trump

O antiamericanismo sectário é parte constituinte da esquerda brasileira, a ponto de preferir e admirar opções autoritárias, radicais, misóginas, homofóbicas e inimigas dos direitos humanos

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Atualização:

Caso Kamala Harris seja eleita presidente dos Estados Unidos teremos no cargo mais poderoso do planeta uma mulher negra, filha de imigrantes, e com certa simpatia pelas causas identitárias. É o típico perfil que causa horror nos trumpistas, que resolveram eleger a imigração como o maior problema de seus país. Mas, como os extremos se namoram, com Kamala no poder o que farão os militantes mentalmente juvenis e sem sutileza que acreditam que os Estados Unidos, sobretudo seus governantes, são o paradigma de todo mal que há no mundo?

De fato, os poderosos dos Estados Unidos têm sua parcela de culpa com o ranço. Por décadas patrocinaram golpes de Estado pelo mundo afora, em pânico com a ameaça comunista que muitas vezes era apenas paranoia da população, atemorizada com exemplos como o de Cuba ou do Vietnã.

O ex-presidente Donald Trump não é bem visto pelas esquerdas brasileiras que costumam não gostar de presidente algum dos EUA Foto: Evan Vucci/AP

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Por outro lado, os Estados Unidos são também o maior palco das lutas LGBTQ, dos movimentos feministas, dos direitos para os negros, da liberdade sexual, da liberdade individual, da cultura pop, da tecnologia de ponta, da estabilidade democrática, do jazz, do computador pessoal, do Youtube, do Instagram e do WhatsApp. É impossível julgar um país tão complexo com uma chave só. Ser pró-americano ou antiamericano sem maiores distinções, apenas prova que tal pessoa maniqueísta é alguém desprovida de requinte. Aliás, o governo dos EUA mandou avisar que seria um empecilho a um golpe de estado em 2022 no Brasil.

O antiamericanismo sectário é parte constituinte da esquerda brasileira. A ponto de preferirem e admirarem, pelo mundo afora, opções autoritárias, radicais, misóginas, homofóbicas, inimigas dos direitos humanos, violentas, teocráticas, bastando que se oponha aos “estadunidenses” (o termo com o qual a esquerda costuma se dirigir às coisas do país de Janis Joplin ou Donald Trump).

De acordo com o presidente Lula, inclusive: “Americano pensa em americano em primeiro lugar, pensa em americano em segundo lugar, pensa em americano em terceiro lugar (…) e, se sobrar tempo, pensa em americano. E ficam os lacaios brasileiros achando que os americanos achando que os americanos vão fazer alguma coisa por nós. Quem tem de fazer por nós somos nós!”. Taí o que nosso principal político acha dos vizinhos do continente americano.

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É claro que uma presidente dos EUA menos isolacionista seria melhor para o Brasil. Haveria mais oportunidade, mais boa-vontade nas negociações, apesar de a margem de manobra de um governante americano ser menor do que o resto do mundo pensa, como se queixou, continuamente, o ex-presidente norte-americano Barack Obama, em sua biografia “Uma terra prometida”.

Inclusive, o exemplo de Obama pode até mesmo ser um fator para a esquerda brasileira continuar a desconfiar dos americanos, não importa quem os dirija. Anos após chamar Lula de “O cara”, o ex-presidente democrata fez uma espécie de mea-culpa e afirmou sobre nosso presidente, também na autobiografia: “Constava também que tinha escrúpulos de um chefão do Tammany Hall, e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões” (Pág. 353, da edição da Companhia das Letras).

Em um governo que precisa de inimigos para manter a militância acessa, Trump pode ser uma opção mais conveniente no jogo das versões políticas. O líder republicano é quase uma caricatura de tudo o que pode ser temido por uma mente mais liberal. Sem falar que é bajulado de forma subserviente por Bolsonaro e seu gigantesco séquito. Kamala Harris, por outro lado, tem muitas caraterísticas para tornar o antiamericanismo atávico de certa militância do Brasil algo bastante démodé - algo muito difícil de lidar por que ser contra os EUA é um dogma para a turma que curte se vestir de vermelho e colocar o boné do MST até mesmo em festas regadas a espumante importado.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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