EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|A falsa aparência legal do golpe de Bolsonaro

Se a gente espia os fatos sob o prisma da história brasileira, perceberá que a defesa de Silas Malafaia do ex-presidente no Rio não alivia a barra de Jair Bolsonaro

PUBLICIDADE

Foto do author Fabiano Lana
Atualização:

Na vigorosa defesa ao ex-presidente Jair Bolsonaro ocorrida neste domingo, 21, na Praia de Copacabana, o pastor Silas Malafaia tentou minimizar a chamada “minuta do golpe”. Ele nem se preocupou em negar a existência do tal papel. Apenas afirmou que se tratava de um “documento sugestivo” apresentado aos militares, perfeitamente amparado na lei. Deixou de dizer, entretanto, que não tem sido incomum aos conspiradores que implantam regimes autoritários se preocuparem com a aparência legal de seus atos. Ocorreu, por exemplo, nos regimes de 1937, com Getúlio Vargas, e em 1964, nossa última ditadura.

PUBLICIDADE

“Primeiro, eu quero destruir essa bandidagem de ‘minuta de golpe’, essa safadeza capitaneada pelo grupo Globo e eu vou provar”, bradou Malafaia em seu tom grandiloquente, em cima do trio elétrico, sob aplausos entusiasmados de parte dos 33 mil autodenominados patriotas e pessoas de bem, que estavam pelo local.

Na perspectiva do pastor, Bolsonaro apenas propôs um documento para análise dos comandantes militares sobre Garantia da Lei e da Ordem (GLO), baseado do famigerado artigo 142 da Constituição. Versaria também sobre Estado de Sítio e Estado de Defesa, conforme artigos 136 e 139. “Onde está a ilegalidade dessa potoca?”, perguntou. Pausa para um efeito sonoro percussivo incluído pelo ótimo sonoplasta do evento. Ele mesmo respondeu: “Em lugar nenhum!”.

Jair Bolsonaro abraça Silas Malafaia em trio no ato no Rio Foto: Alexandre Brum/Estadao

Carroceria de caminhão com multidão em torno não é um lugar adequado para se debater circunstâncias. Mas alguém poderia ter avisado a Malafaia que, em 1937, Getúlio Vargas conseguiu do Congresso a implantação de um Estado de Guerra como forma de combater uma suposta tentativa de golpe comunista em andamento. O movimento de esquerda que inspirou o golpe, denominado Plano Cohen, foi uma fraude escrita por um militar governista: Olímpio Mourão Filho. Com a aparência legal, o Brasil enfrentou mais oito anos de um regime que flertou com nazifascismo e não tinha pruridos de assassinar, torturar ou deportar os opositores políticos.

O mesmo Mourão Filho, já como general, esteve também envolvido no golpe de 1964. O verniz legal do movimento foi a sessão do Congresso, na madrugada de 1º para 2 de abril, que declarou vaga a Presidência, mesmo com o então ex-presidente João Goulart ainda em território brasileiro, no Rio Grande do Sul. A manobra contou com a anuência e mesmo participação discreta do presidente, à época, do Supremo Tribunal Federal, Ribeiro da Costa, conforme conta Felipe Recondo em seu livro Tanques e Togas (Companhia das Letras).

Publicidade

Dia 21 de novembro de 2013, o Congresso anulou a sessão de 1964 sob protestos do futuro presidente Jair Bolsonaro, assumidamente um apologista da ditadura de 1964. “Isto é mais do que stalinismo, onde se apagavam fotografias. Aqui se estão apagando sessões do Congresso. Pelo menos está servindo para alguma coisa: botar por terra a farsa de que foi um golpe militar a destituição de João Goulart”, disse.

O que podemos concluir disso tudo? Se a gente espia os fatos sob o prisma da história brasileira, perceberá que a defesa de Malafaia não alivia a barra de Bolsonaro. O ex-capitão e ex-presidente apenas repetiu o estilo das conspiraratas brasileiras que nos leva às ditaduras. Busca justificar o injustificável por meio das leis vigentes. Para nossa sorte, em 2022, não deu certo e por isso o ex-presidente corre o risco de passar uma temporada na prisão.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.