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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|A vida é (quase) como se fosse na Faixa de Gaza para milhões de brasileiros

Os palestinos fecharam com o desemprego de 25,7% em 2022, muito mais elevado que o nosso no mesmo período: 9,3%; a inflação foi de 1,2% em Gaza contra a nossa de 5,8%

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Foto do author Fabiano Lana
Atualização:

Com seus apenas 2,1 milhões de habitantes espremidos em uma área de 40 km no litoral do Mediterrâneo, cercada por Israel a Oeste e o Egito ao Sul, Gaza parece ser o pior local do mundo para se viver a ponto de receber o epíteto de maior prisão a céu aberto no mundo. Mas bem próximas de nós, no Brasil, há regiões com condições sociais e mesmo de segurança ainda piores que o território palestino nos períodos em que não está em conflito aberto com Israel. São países que vivem circunstâncias e histórias diferentes, mas comparáveis.

É possível ver centenas de imagens e vídeos sobre Gaza nas redes. O território conta com uma série de atrações improváveis para quem só pensa em fome e desolação. A Universidade Islâmica possui um campus atrativo, há passeios de barcos na orla para casais, e o cemitério da Primeira Guerra possui centenas de lápides organizadas de ingleses que venceram o império turco-otomano e instalaram o protetorado que permitiu a chegada dos judeus que fundaram, em 1948, seu Estado. Confiram esse vídeo sobre o turismo em Gaza bem ao estilo dos youtubers convencionais do mundo ocidental:

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Os prédios de Gaza são em geral de cor cinza, de concreto. Há ruas não pavimentadas com lojas e camelôs. Crianças, muitas crianças, em todo lugar, também a buscar a água potável comprada de Israel. A arquitetura, digamos, modernista-retangular, lembra as construções das periferias das grandes cidades brasileiras e de muitas de nossos municípios do interior. O cenário é desértico marrom-acinzentado.

O Brasil está localizado a cerca de 10,5 mil km da Faixa de Gaza em distância e trajetória. Aqui, se saímos por via terrestre dos grandes centros em direção o interior vemos, quase a invadir a pista, prédios com a tal arquitetura retangular que pode rememorar a de Gaza. Porém, se lá domina o concreto e o escampado, por aqui prevalece o vermelho dos tijolos das casas não pintadas sobre barrancos de cor marrom e o mato. O cenário é tropical vermelho-lajota-marrom-esverdeado.

Por lá há os buracos na estrada e os carros retorcidos pelos bombardeios. Por aqui as crateras na pista são pela falta de eficiência do setor publico e os automóveis arruinados são máquinas deixadas após acidentes de trânsito que se tornam peças de um ferro-velho. Pela dificuldade de acesso, a paisagem de pobreza e caos da Palestina podemos observar apenas pelas imagens.

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Palestinos procurando por vítimas e sobreviventes em área bombardeada por Israel Foto: MOHAMMED SABER / EFE

O panorama brasileiro pode ser visto in loco quando se sai de Belo Horizonte em direção ao Vale do Aço pela BR-381, de Recife para o Agreste pela BR-232, do Rio para a Baixada Fluminense pela BR-040 ou, sem pegar nenhuma via federal, pelas ruas do centro de São Paulo dominadas pelos habitantes da Cracolândia. Na verdade, aqui como lá a pobreza se pode ver de qualquer lugar.

Aqui contamos com a democracia e não vivemos sob coação de um Estado que pode ser considerado colonizador - o que faz toda a diferença. Há mais direitos para mulheres e homossexuais, e não estamos em guerra contra um Estado. Lá há ruínas recentes, aqui há lixo abandonado e levado pelos urubus. A construção, nos trópicos, como lá, pode parecer ruína.

Para avançar na comparação podemos abandonar a subjetividade impressionista e ir aos dados. Em Gaza somam 1,2 milhão os que dependem de ajuda humanitária, no caso, da ONU, para se alimentar (58% da população). Aqui no Brasil, o Bolsa Família chegou a cerca de 21,5 milhões de famílias, o equivalente a 40% da população.

Gaza é um local mais igualitário que o Brasil. O índice Gini (incluindo a Cisjordânia) é de 0,337, enquanto o Brasil é de 0,529 (quanto mais próximo de 1 mais desigual é o país). A expectativa de vida brasileira está em 76 anos enquanto na Palestina alcança-se 75,9 anos, de acordo com dados do Banco Mundial, que trata a Faixa de Gaza e a Cisjordânia como uma mesma região do ponto de vista dos dados coletados.

A mesma fonte mostra também que a maior diferença estatística entre a região conflagrada e o Brasil é a renda per capta. A da Palestina é de US$ 3,8 mil anuais e a brasileira de US$ 8,9 mil. Mas no Maranhão a renda per capta domiciliar é inferior a US$ 2 mil, segundo o IBGE, cerca da metade de um morador da Faixa da Gaza.

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Os palestinos fecharam com o desemprego de 25,7% em 2022, muito mais elevado que o nosso no mesmo período: 9,3%. A inflação, por outro lado, foi de 1,2% em Gaza contra a nossa de 5,8% no mesmo período. O acesso a eletricidade é maior por lá, mas na margem de erro: 100% (Brasil, 99,5%).

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Com relação ao índice de assassinatos, antes da guerra, os índices palestinos nos humilham indicando apenas uma morte violenta por cada 100 mil habitantes anualmente. Aqui marcamos 22. Ou seja, até há poucos dias era bem mais seguro andar pelas ruas da Palestina do que pelas cidades brasileiras. Por último: o índice de uso de internet pela população de Gaza, 89%, é oito pontos percentuais mais elevado do que aqui – reiterando que os dados usados neste texto são, o máximo possível, do Banco Mundial, para evitar disparidades metodológicas.

Assim como nos comovemos com os mortos de Israel, nos abalamos, ainda antes da guerra, com a maneira como vivem os palestinos, em especial na Faixa de Gaza, acuados por uma ditadura terrorista comandada pelo Hamas.

Se fôssemos seres puramente lógicos deveríamos nos chocar, na mesma medida, ao termos a consciência de que pessoas tão perto de nós vivem em condições social iguais ou em alguns casos piores do que tantos no Oriente Médio. Aqui como lá é gente que não quer saber de guerra e apenas aspira a uma vida melhor. Para milhões de brasileiros a vida é (quase) como se fosse na Faixa de Gaza.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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