De uns poucos anos para cá, o termo “extremo” tornou-se bastante vulgar quando associado a algum grupo político relacionado ao autoritarismo, à intolerância, à xenofobia, ao racismo, enfim, a todo mal. Com alguma dose de razão e bastante gotas de fel, políticos ao redor do mundo como Jair Bolsonaro, Javier Milei, Donald Trump, Benjamin Netanyahu, Marine Le Pen ou Viktor Orbán receberam tal rótulo. Em resumo, seriam bastante vis e uma ameaça não só aos seus países, mas até mesmo à humanidade. Mesmo detentores de milhões de eleitores e seguidores, tornou-se crime moral normalizá-los.
E onde estaria a extrema esquerda? Tinha desaparecido. Do lado do campo ideológico fora da direita todo mundo era defensor da democracia, das instituições, da sensatez, da paz. Tentaram nos passar essa lorota de que extremismo era coisa de direitista unicamente. No entanto, a crise envolvendo as eleições venezuelanas coloca as coisas no lugar: apoiar neste momento o ditador socialista, portanto, esquerdista, Nicolás Maduro, após tantas evidências acumuladas de fraudes no pleito, também é uma atitude extrema. No sentido de estar a favor de uma escalada autoritária na América do Sul, de não se importar com uma crise humanitária, com a deterioração de um Estado agora policial e muito mais.
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A partir do momento em que o Partido dos Trabalhadores, quase na calada da noite de segunda-feira, com dissidência, solta uma nota considerando o processo venezuelano “democrático e soberano” e considerando Maduro “reeleito”, está na extrema esquerda (A presidente do partido, com sua presença tão contumaz nas redes, ainda ficou quase 24 horas em silêncio antes de mandar publicar a nota cínica e infame). O mesmo pode ser dito sobre o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, João Pedro Stédile. Viajou até a Venezuela para apoiar o ditador. Merece o rótulo: extrema esquerda autoritária, assim como quem usa aquele boné tido como descolado endossando tal movimento extremista.
Livros e livros serão escritos sobre o processo de degradação da chamada revolução Bolivariana, que de Hugo Chávez a Maduro teve como resultado palpável a fuga de cerca de 7 milhões da Venezuela nos últimos anos. A sugestão particular de leitura é “Mãe pátria”, da jornalista Paula Ramón.
Este articulista escreve este texto de Lima, Peru, país que recebeu 1,5 milhão de refugiados venezuelanos. No dia 28, das eleições, conversou com um deles, que trabalhava como motorista de Uber. O exilado nos disse que não tinha qualquer esperança de restauração democrática porque haveria fraudes na apuração. Acertou. Este colunista também esteve recentemente em Boa Vista, Roraima, e viu os campos de refugiados onde vivem os venezuelanos. São cerca de 150 mil apenas em Boa Vista, cidade antes com 420 mil habitantes. Sem expectativas, sem recursos, doentes e com fome, muitos vieram a pé e sobrecarregam os serviços públicos brasileiros, como unidades de saúde. E, mais, ao contrário de parcela da esquerda brasileira, não consideram as sanções impostas pelos EUA como culpadas pela crise. Os equívocos foram internos.
A expectativa agora recai sobre o governo Lula. Que passou o primeiro dia em certo silêncio cauteloso. Nos demais países da América Latina existe a apreensão de que Lula pode endossar uma ditadura vizinha cada vez mais perigosa. A depender da decisão de nosso presidente, haveria certa razão em dizer que em certos aspectos temos um governo de extrema esquerda - na visão atual do termo, sinônimo de ignóbil.
O fator Maduro, entretanto, pode ser visto de uma maneira positiva. Equilibra o jogo político brasileiro com suas forças políticas extremas à esquerda e à direita - ambas numa competição não olímpica de quem faz mais mal ao país.
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