Na manifestação de hoje na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro preferiu ser coadjuvante de sua própria festa. Quem deu os recados e partiu para o ataque contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi o pastor Silas Malafaia.
Ex-crítico do “mi-mi-mi”, Bolsonaro, como uma pomba, preferiu posar de vítima, desancar o atual presidente Lula, e fazer comparações entre seus governos. Malafaia, como um falcão, chamou o juiz da suprema corte de “ditador”, “censor da democracia” e, para Rodrigo Pacheco, responsável por pautar um eventual impeachment de Moraes, ofensas que vieram nas qualificações de “covarde, frouxo e omisso”.
A postura tíbia de Bolsonaro, que preferiu atacar Lula como “maior ladrão da história do Brasil,” e poupar um ministro do Supremo, mostra que hoje Alexandre de Moraes é a figura mais temida e poderosa do Brasil. Se por um lado ele pode ter tido uma atuação fundamental para desnudar uma tentativa de golpe, por outro, alguns de seus excessos são hoje o principal combustível que mantêm as franjas mais radicais da população brasileira com argumentos para a luta política belicosa.
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Malafaia e Bolsonaro com certeza agiram afinados. O pastor esticou a corda em sua fala severa. E, se for punido, provará sua tese de que no Brasil, assim como nas ditaduras, foi instituído o crime de opinião. Não por caso, lembraram hoje do certo apreço que o PT possui pelas ditaduras de esquerda, que é de fato um calcanhar de Aquiles de Lula.
Outra frase de Bolsonaro deu um certo tom épico de um grupo político que deseja ser visto como perseguido. “O sistema quer completar Juiz de Fora”, afirmou, o ex-presidente, numa certa metonímia de que o querem morto, trabalhando na ambiguidade do risco de ser politicamente ou fisicamente eliminado. Nesse sentido, a linha do bolsonarismo é se transformar exatamente no contrário do que eles são acusados. De maneira nenhuma eles seriam golpistas que desejariam uma intervenção militar, mas apenas defensores de uma democracia ameaçada, principalmente pelo Supremo Tribunal Federal, e em especial por Moraes.
E querem ainda um tom mundial a essa batalha. Com a participação, segundo eles, até do “herói da liberdade” Elon Musk, a quem Bolsonaro dedicou uma salva de palmas. “Querem censurar as redes sociais, porque a direita domina a internet”, afirmou, anteriormente, o deputado Nikolas Ferreira, que é o mais votado no Brasil. Outro deputado radical, Gustavo Gayer, preferiu dizer, em inglês, que a praia de Copacabana recebia “guerreiros da liberdade”, num sinal de que hoje, de fato, a direita tem conseguido se organizar de maneira internacional, enquanto a esquerda se perde em pautas divisivas entres os grupos da sociedade. Em discurso mais contido do que o ocorrido em fevereiro, na Avenida Paulista, Michelle Bolsonaro preferiu deixar de lado as pregações contra o Estado Laico e se concentrar na pauta feminina, “não feminista”, esclareceu.
O evento de hoje mostra que cada vez mais aumentam as pressões sobre a atuação de Alexandre de Moraes. E não tem sido só a partir dos radicais da extrema-direita. Quem está no centro já levanta as sobrancelhas para certas ações que não conseguem mais justificar. A opacidade do trabalho do ministro tem ficado insustentável. Para continuar com apoio político terá de mudar de estilo. No mínimo, justificar melhor à sociedade brasileira por quais razões tem, de fato, exercido a censura. Se isso não ocorrer, o bolsonarismo, cujas credenciais democráticas são bastante duvidosas, poderá fazer algo em que o PT sempre foi bem-sucedido a despeito dos fatos, se transformar de vilão em vítima injustiçada.
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