A maioria massacrante das análises sobre os resultados das últimas eleições municipais parte de pressupostos de que o voto para prefeito no último pleito foi ideológico. Nesse sentido, fala-se de vitória da centro-direita e derrotas tanto da extrema-direita como da esquerda. A tese faz sentido, mas talvez de outra perspectiva. A questão é que tanto a esquerda como a extrema-direita não tenham propostas e discursos para o que de fato interessa quando o que está em jogo é a administração de uma cidade: a zeladoria.
Não que as pessoas rejeitem radicalmente as chamadas pautas identitárias de esquerda, como a questão da raça e do gênero. Mas o que esse tipo de discurso ajudará quando a preocupação é com mobilidade urbana, iluminação, ensino básico ou o atendimento nos postos de saúde? Este articulista, que é consultor político, trabalhou em cinco campanhas eleitorais nessas eleições, e pode intuir que a ideologia é apenas um processo lateral ao que realmente interessa: qual proposta garantirá o futuro melhor das pessoas.
O raciocínio vale para a direita (extrema) também. Houve, por exemplo, candidato que baseou sua campanha no segundo turno em temas como “livrar as crianças da pornografia”. O que isso ajuda se o grande problema de uma família é colocar uma criança numa creche? O povo em sua maioria não engoliu.
O caso de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo é emblemático nesse sentido. Tudo indica que a candidatura estava ciente do problema e tentou colocá-lo menos como um militante e mais como um administrador. Não deu certo. O eleitor majoritariamente conhecia outro personagem Boulos por décadas, mais radical, e não acreditou que ele fosse capaz de governar a maior cidade do continente. Esse foi o teto do candidato do PSOL em uma cidade em que Lula venceu em 2022.
Outro caso, foi Belo Horizonte, onde Bruno Engler, um candidato que fez a carreira política mimetizando todas as pautas do bolsonarismo, conseguiu chegar ao segundo-turno. Mas depois foi visto muito mais como um militante ideológico do que um administrador em potencial. O que isso adianta quando o que interessa é a coleta do lixo todos os dias? Perdeu numa cidade em que Bolsonaro venceu em 2022.
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O voto completamente ideológico em um município é um luxo praticado apenas por aqueles que mal conhecem o que faz uma máquina da prefeitura – os mais ricos. Não colocam seus filhos na creche, utilizam rede hospitalar privada, não andam em transporte público. Nesse sentido, só conhecem as franjas do que faz a máquina municipal, em geral quando ficam presos num engarrafamento e praguejam contra o prefeito ou a prefeita de plantão. Quem precisa do serviço público diariamente de fato é quem consegue avaliar se uma prefeitura está indo bem ou mal.
Nesse sentido, as eleições municipais não são bons preditores para as presidenciais. O voto para presidente é sim muito mais ideológico. Até porque o presidente é um líder simbólico de uma nação e muito mais está em jogo além de questões administrativas e econômicas.
Mas, para 2026, o que será igual a 2024 é o seguinte: nem direita, nem esquerda, nem centro ganharão sozinhos. Desses três polos, se dois conseguirem se juntar sem defecções internas, irão ocupar a máquina federal. Mas para atrair esse centro que faz a diferença, esquerda e (extrema) direita não terão outra saída a não ser modelar o discurso em direção à moderação.
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