Na virada dos séculos 19 e 20, a Argentina era um dos países mais prósperos do mundo com renda per capita superior à dos Estados Unidos e das principais nações europeias. Por lá, como por aqui no Brasil, quase tudo é controverso, mas se atribui ao primeiro governo de Juan Domingo Perón ter jogado nossos vizinhos em uma crise da qual jamais se recuperaram plenamente.
Nos anos 40, Perón fechou o país ao mundo e iniciou um processo de intervenção do Estado na economia, de nacionalizações e quebra de contratos, com resultados econômicos bastante adversos. Em tempos de discussão do nosso déficit público, o dramático é que parte dos integrantes do atual governo Lula e de seu partido, o PT, quer para o Brasil a implantação das mesmas ideias que prejudicaram a nação sul-americana.
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Não é tão simples julgar o peronismo até porque as opções ao sistema personalíssimo argentino muitas vezes tiveram resultados desastrosos. A saber, a “revolução libertadora” que derrubou Perón nos anos 50, também se finalizou com um golpe; o regime militar de 1976 se desmoronou sete anos depois em meio à instabilidade, desmoralização pela derrota na guerra das Malvinas e um rastro de assassinatos ordenados pelos generais-presidentes. Após a redemocratizacão, dos três presidentes não peronistas eleitos, dois tiveram que renunciar antes do fim do mandato e nenhum conseguiu domar a inflação.
Por meio de subsídios, auxílios, e mesmo pelo mito do próprio Perón e de sua jovem esposa Evita Perón, o peronismo possui uma conexão profunda com grande parte da população mais pobre Argentina. O paradoxo lá é que se vota em uma doutrina que tem como principal bandeira política a proteção aos pobres, mas o país fica cada vez mais indigente de eleição a eleição. Ainda com muita classe, muita elegância, excelente filmes, mas cada vez mais carente.
A nova solução mágica para a Argentina não-peronista agora atende pelo nome de Javier Milei. Com a motosserra na mão, esse economista aparentemente quer destruir o que tiver pela frente, incluindo a moeda e o Banco Central, para reconstruir o país. Mesmo com boatos desairosos como o de se aconselhar com o cachorro e coisas piores, lidera por pouco as pesquisas de opinião contra o atual ministro da Fazenda, o peronista light Sergio Massa — que comanda uma economia com inflação anual superior a 100%. Há uns 70 anos, o Estado argentino tem dificuldade de se financiar, emite moeda, gera inflação, e ninguém conseguiu desarmar a armadilha iniciada no peronismo. Milei é a aposta do momento.
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Ainda mais pobre em termos de renda per capita e muito mais violento, o Brasil tem uma série de indicadores melhores do que os dos argentinos, como inflação, dimensão das reservas e mesmo tecnologias como a do Pix. Após episódios de congelamento de contas e restrição a saques, os argentinos são compreensivelmente desconfiados do sistema bancário nacional e costumam guardar dinheiro vivo em casa, de preferência dólares.
No Brasil os problemas ainda são outros, mas aqui há uma disputa interna dentro do governo que pode nos levar para um caminho de argentinização a depender do resultado da queda de braço. De um lado, temos um ministro da Fazenda que propôs o déficit zero e tem se mostrado mais aberto a investidores e ao equilíbrio financeiro. Do outro, querem insistir no que costuma dar errado na América do Sul: intervenções estatais, mais déficit com o consequente aumento da dívida, e todo tipo de proteção que acabaram por tornar o Estado inadministrável, inviabilizando investimentos tanto públicos como privados.
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A verdade é que o pensamento convencional do PT tem algo do que o peronismo introduziu por lá. Por aqui, para dar um exemplo, o governo de Dilma Rousseff iniciou a nossa trajetória de déficit e intervenções cujos resultados já conhecemos: queda brutal da nossa renda per capita da qual ainda não nos recuperamos. Além disso, neste momento, estão preocupados com o resultado das eleições de 2024 e gastar sempre ajuda quando se quer votos.
É claro que em um País tão miserável como o Brasil, o Estado tem de estar presente garantindo condições mínimas de sobrevivência a milhões por meio de programas sociais. Daí, de fato é dramático fazer cortes no orçamento com tantas atribuições de governo. Por outro lado, o caminho da responsabilidade costuma ser mais eficiente no longo prazo quando o objetivo é a renda e a qualidade de vida da população.
Lula é o mesmo presidente que nomeou Haddad, deu aval às suas políticas, e depois o desmoralizou ao avisar que manteremos o déficit. A ver que direção dará agora ao País: a do ganho imediato ou apontar para uma trilha menos popular, mas de desenvolvimento no futuro mais garantido.
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