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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Encontro entre Lula e FHC é parte do processo civilizatório. Utopia seria reunião Lula e Bolsonaro

Brasil irá avançar quando encontro amistoso ocorrer entre o atual presidente e Jair Bolsonaro em que ambos colocarão suas diferenças em argumentos e não mais em xingamentos mútuos

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Foto do author Fabiano Lana

Na filosofia política há uma discordância sobre as nossas origens. Se seríamos pacíficos e a sociedade nos piora, numa linha representada pelo suíço Jean-Jacques Rousseau. Ou se temos uma tendência inevitável à violência, a sermos brutais, e a sociedade tenta nos controlar, corrente que é capitaneada pelo inglês Thomas Hobbes, ambos pensadores de séculos passados. Como em qualquer ramo de saber, as discussões continuam, mas ao que parece Hobbes teria um pouco mais de razão nessa. Os estudos antropológicos indicam que nosso passado foi marcado por violência, muitas vezes extrema, e apenas a constituição do Estado e das regras coercitivas contra nossos impulsos mais bárbaros conseguiram nos controlar – e não totalmente.

24.06.2024 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com o Ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. São Paulo - SP.

Foto: Ricardo Stuckert / PR Foto: Ricardo Stuckert/PR

São séculos, milênios, em que as sociedades se tornaram de alguma maneira mais coercitivas em relação às agressões para que possamos conviver em relativa paz. A política entra aí nesse terreno. Ao invés de partirmos para os socos, brigas, e mesmo armas, em cada discordância, nos reunimos e votamos. O perdedor aceita pacificamente o contratempo.

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Na política, os armamentos seriam a palavra, a escrita, a negociação permanente. Inimigos tornam-se adversários e combatem pelas ideias. Reprimem os ódios recíprocos e passam a digladiar de maneira argumentativa, em um cenário ideal. E questões criminais seria papel do Judiciário resolver.

Na prática, no Brasil, os argumentos têm dado lugar às ofensas e agressões (e aos cargos e às emendas ao orçamento), mas é um avanço ao estágio anterior do bang bang. Se não há política, há a guerra, argumentou o filósofo e militar Carl von Clausewitz.

É claro que a convivência com quem se tem repulsa é marcada pela hipocrisia (aliás, o mundo não resistiria por duas horas sem hipocrisia). Na democracia, há até um espaço para essa coexistência entre os opostos: os parlamentos. Locais em gerais estridentes e barulhentos onde há a concordância em se discordar. Quem observa de perto esses lugares percebe que o convívio por si só civiliza. Ocorre até de parlamentares de ideologias contrárias começarem a desenvolver amizades sólidas.

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Um dos malefícios da chamada nova política, inclusive, foi considerar essa coexistência entre os discrepantes como um mal em si. Como se tudo fosse um grande conluio. Aí se tornaram menos incomuns as trocas de sopapos e as agressões dentro do parlamento. No fundo, não são afeitos à democracia.

De certa maneira, eventos como o ‘Gilmarpalozza’ que ocorre em Lisboa, Portugal, esta semana, que reunirá num mesmo ambiente a cúpula de nossa política, com os integrantes de judiciário, além de empresários e representantes de órgãos de fiscalização, não ajudam nessa impressão geral. Se nós lermos a lista de participantes, parece que tudo é um grande conchavo nacional. A verdade é que a população tomou abuso desse tipo de situação e em troca resolve eleger os chamados antipolíticos. Instala-se o ciclo vicioso.

Nesse panorama de irritação de parte razoável da população com a nossa chamada elite que o presidente Lula visitou ontem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em sua residência em São Paulo. Há oportunismo de Lula no encontro? Sem dúvida, porque Lula é um animal político que sempre busca os louros públicos de sua ação (se fosse só algo entre amigos antigos nem tirariam fotografias). Além disso, foi também divulgado que a intenção do nosso atual presidente é organizar uma frente mundial contra a extrema-direita que, segundo vazou na imprensa, não devem incluir nem o francês Emmanuel Macron nem o americano Joe Biden, por não serem “progressistas”. Ou seja, se for verdade, já começa mal. Apenas por provocação: onde Lula colocará o russo Putin, invasor da Ucrânia e líder de um regime que oprime minorias, nessa tal frente contra a extrema-direita?

Além disso, para quem tem alguma memória, FHC já foi uma espécie de “Roberto Campos” do primeiro mandato de Lula. Assim como o presidente atual do BC, Fernando Henrique já foi o culpado de tudo de mal que ocorria no Brasil. Infelizmente é da política esse tipo de ação acusatória e o maior erro moral do PSDB, partido de FHC, foi não defender seu legado (um crime de lesa-pátria?).

Oportunista ou não, com todas as ambiguidades levantadas, um encontro pessoal de Lula com FHC é um avanço civilizatório. Norbert Elias, o sociólogo alemão que melhor traduziu o processo civilizador ficaria feliz com isso no além-túmulo. Mas o Brasil irá avançar mesmo quando esse tipo de encontro amistoso ocorrer entre Lula e Jair Bolsonaro. Em que ambos colocarão suas diferenças em argumentos e não mais em xingamentos mútuos. Utopia.

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Opinião por Fabiano Lana

Filósofo e consultor político

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