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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Fracasso da concessão da BR-381 é evidência de um País falido que não consegue concluir suas obras

O setor público sempre fica aquém do mínimo que deveria oferecer à população que tenta usufruir seus serviços

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Foto do author Fabiano Lana
Atualização:

Muitos brasileiros gastam fortunas em busca de aventura em diversos locais do mundo. Outros, mais radicais, arriscam suas vidas em escaladas no monte Everest, no Himalaia, ou nas ondas gigantes de Nazaré, em Portugal. Mas se o objetivo é se expor perigosamente, não precisam sair do Brasil. Basta enfrentar algumas de nossas rodovias. Contam com crateras nas pistas, não têm acostamentos, a ultrapassagem é impossível e exigem perícia de corredor de Fórmula 1.

As invasões de comunidades prejudicam expansões e animais domésticos podem atravessar a qualquer momento o asfalto. Existem quebra-molas inesperados e desvios impensáveis. Há também a visão de carros destruídos ou caminhões tombados nas laterais.

Acidente com ônibus que transportava torcedores do Corinthians no km 525,4 da Rodovia Fernão Dias (BR-381/MG) em Brumadinho, Minas Gerais Foto: Corpo de Bombeiros MG

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Um dos maiores exemplos é a BR-381, em Minas Gerais, que nesta semana teve seu leilão de concessão à iniciativa do trecho entre Belo Horizonte e Governador Valadares, de 306 km, fracassado por falta de propostas. A novela da duplicação das pistas dessa BR já dura décadas.

A BR-381, uma das muitas vias do Brasil que recebe a alcunha de “rodovia da morte”, liga São Paulo, nosso principal polo industrial, ao Vale do Aço, onde estão as maiores reservas de minério de ferro do mundo e algumas das principais usinas siderúrgicas do Brasil. Une regiões populosas. Pela importância econômica, relevância logística e utilidade social, devia ser uma das melhores do país. Em Minas, principalmente no trecho de cerca de 200 km entre Belo Horizonte e Ipatinga, o que se vê são evidências de um país falido que não consegue concluir suas obras mais importantes.

O pior trecho é a saída de Belo Horizonte. O trânsito já costuma engarrafar ainda dentro da capital mineira, na ponte que atravessa o rio das Velhas. No calor, os moradores das comunidades em torno estão prontos para vender garrafas de água logo que os veículos começam a parar. No frio, vendem cabos e carregadores de celular. É a luta pela vida de um lugar pobre.

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A região é extremamente montanhosa e acidentada. É rotina algum motorista imprudente perder a paciência com a via estreita, executar uma ultrapassagem indevida e encontrar a morte numa batida frontal, incluindo a família. Ônibus que caíram nos abismos matando boa parte de seus passageiros não são histórias incomuns.

BR 381 em Minas Gerais, exibe cruz na altura da cidade de Igarapé, em lembrança a mais uma morte na rodovia Foto: Washington Alves/Light Press/AE

A política sempre tenta se aproveitar da rodovia, que é a obra mais esperada pela população de Minas. “Vou transformar a estrada da morte em estrada da vida”, disse o então candidato Lula, em setembro de 2022, em plena campana presidencial. A promessa de Bolsonaro ocorreu em julho de 2021. “Sai, a duplicação sai. Conversei com o Tarcísio (de Freitas, então ministro) há pouco e ele me botou a par. Depende de o TCU liberar e eu acho que o TCU vai liberar. Liberando, imediatamente nós partimos para as licitações”, disse.

Dilma Rousseff, em campanha para a reeleição em 2014, chegou a assinar a ordem de serviço para a duplicação das pistas. Em Minas, criticou seus antecessores pela demora na obra. “Aqueles que criticam o atraso da BR-381, por que não respondem o porquê não fizeram a rodovia antes?! Eles estiveram à frente do Governo Federal por oito anos e nada fizeram. Podem até me criticar, mas deveriam responder essa pergunta antes”, disse a presidente. No poder, o presidente Michel Temer entrou em conflito com a bancada de Minas quando seu governo tentou retirar parte dos recursos para as obras. O presidente Lula, que incluiu a obra no PAC, em 2009 também prometeu que faria a obra. Treze anos depois, culpou o “golpe” contra a Dilma pela paralisia.

Hoje, quem passa pelas pistas da BR-381 pode perceber que idas e vindas no andar de cima da administração pública tem consequências danosas. A estrada alterna trechos duplicados, trechos arruinados, trechos desgastados, túneis prontos e túneis paralisados. É confusa, perigosa. É uma mostra evidente de que vivemos sob administradores públicos displicentes e inconstantes.

O trecho mais perigoso da BR, os 116 km entre Belo Horizonte e a cidade de João Monlevade (onde há uma unidade da siderúrgica Arcelor Mittal), foi concluído em 1960. Dez anos depois, a estrada chegou a Governador Valadares, totalizando seus 306 km. Mas o desenvolvimento do Brasil logo deixou as vias obsoletas devido à magnitude do tráfego, que inclui enormes carretas a levar equipamentos para siderúrgicas, como a Usiminas, em Ipatinga, e a principal unidade da Arcelor (antiga Acesita), em Timóteo.

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Em 2006, no primeiro mandato do presidente Lula, foi aprovado o estudo de viabilidade técnica e econômica de duplicação do trecho Governador Valadares a Belo Horizonte. Solução tida como definitiva. A pretensão era executar as obras, divididas em dois túneis e nove lotes, no segundo mandato de Dilma Rousseff. Uma empresa espanhola, a Isolux, venceu seis lotes. Nenhuma outra empreiteira se interessou pelo trecho mais movimentado, a partir de Belo Horizonte até o município de Caeté, de 31 km, por apresentarem valores acima do orçamento sigiloso do DNER (hoje DNIT).

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Em 2015, a Isolux abandonou as obras alegando problemas de custos e construção. A solução do atual governo é que as obras sejam tocadas pela iniciativa privada por meio do pagamento de pedágio. Mas, devido à especificidade da região, o valor das tarifas pode ser até quatro vezes maior que o do trecho paulista da rodovia.

O Painel da Confederação Nacional de Transportes de Consultas de Dinâmicas de Acidentes Rodoviários já registrou que morrem anualmente em média 260 pessoas por ano no trecho mineiro da BR-381, que inclui a rota para São Paulo. Proporcionalmente, a maioria dos acidentes ocorrem nos 100 sinuosos quilômetros entre Belo Horizonte e João Monlevade, onde a estrada foi construída seguindo uma antiga rota de burros que contornava as montanhas. É uma pista que não perdoa erro dos motoristas, muito menos imprudência.

As mortes da BR-381 são uma característica trágica dessa obra especifica. Mas a estrada é apenas uma integrante da longa lista de empreendimentos públicos brasileiros que não ficam prontos nunca. Podemos citar desde a megalomaníaca Transamazônica, da década de 70, à ferrovia Transnordestina, prevista para ser concluída em 2010 e longe do final. As obras da ferrovia Norte-Sul se estenderam por quase quarenta anos. Também prevista para ficar pronta em 2010, a transposição ainda atende um número de brasileiros aquém do previsto. A refinaria Abreu e Lima, fora o escândalo de corrupção, funciona parcialmente. As refinarias previstas para a Maranhão e Ceará foram abandonadas após as obras de terraplanagem.

Após consumir cerca de R$ 40 bilhões, o Comperj, que produziria produtos petroquímicos, foi deixada de lado e governo busca um novo escopo para reduzir os prejuízos. Devido à concepção inviável do projeto, a empresa que cuidava da concessão da BR-040, que liga o Juiz de Fora a Brasília, abandonou o negócio. Um novo modelo foi anunciado. O metrô de Belo Horizonte não ganha estações novas desde 2002.

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É possível contar a história do Brasil apenas por meio de uma BR como a 381. Dos caminhos do tráfico do ouro até os dias de hoje. Ciclos de pujança econômica se alternam com momentos de decadência. Milhões construíram suas vidas ao longo de suas pistas. Mas há um padrão: o setor público sempre fica aquém do mínimo que deveria oferecer à população que tenta usufruir seus serviços. Nesse caso, inclusive, permitindo que brasileiros coloquem suas vidas em risco pela inoperância alheia.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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