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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião | Funeral político de Bolsonaro ocorrido em Copacabana inclui chamá-lo de candidato

A manifestação de hoje, oficialmente, foi em prol da anistia dos condenados do 8/1, mas, na prática, não mudará em nada o verdadeiro objetivo: mudar o destino do ex-capitão

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Foto do author Fabiano Lana

No Brasil os políticos ressuscitam. Mas como - até mudarem as circunstâncias - o ex-presidente Jair Bolsonaro é um cadáver político por decisão da justiça eleitoral, o desafio para quem quer tirar o petismo do poder é como lidar com o maior líder da direita brasileira de todos os tempos. Como conseguir os votos que ele ainda domina sem ser acusado de traição? Como ter o bônus de ser apoiado pelo denunciado pela Procuradoria Geral da República e, ao mesmo tempo, não ter o ônus de ser tragado na lama do golpismo, afastando os eleitores moderados? O evento de hoje em Copacabana foi uma espécie de sepultamento em que o futuro morto teve o direito da fala quase final.

Por isso, seria impossível para quem está de olho no espólio de Bolsonaro, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, não comparecer ao evento de hoje em Copacabana, no Rio de Janeiro. Em cima do trio elétrico, Tarcísio disse, compreensivelmente, que afastar Jair Bolsonaro das urnas é medo de perder eleição. Deu provas de fidelidade ao lembrar que visitou Bolsonaro no hospital após a facada do dia 7 de setembro de 2018. “O Brasil precisa de líder e esse líder é Jair Messias Bolsonaro. Nós vamos reconduzir o maior presidente da história”, disse o governador, que sabe não ter, neste momento, outra opção a não ser falar isso – caso queira alcançar seus objetivos.

Em ato no Rio de Janeiro, Tarcísio disse que afastar Jair Bolsonaro das urnas é medo de perder eleição e deu provas de fidelidade ao ex-presidente Foto: Pedro Kirilos/Estadão

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O ex-presidente, por sua vez, sabe que o antipetismo pode apoiar qualquer um que apoie tirar o Lula do poder e teme ser abandonado pelos seus. Precisa desse tipo de manifestação como a de hoje para se manter vivo. Insinuou que as eleições de 2022 foram fraudadas frente ao bom governo que fazia, acusou o ministro Alexandre de Moraes de ter tramado contra sua reeleição – num enfrentamento de quem sabe que deve passar uma temporada atrás das grades.

Bolsonaro se disse injustiçado da acusação de tentativa de golpe de Estado, atacou a “banda da Polícia Federal que serve a Alexandre de Moraes”. Tentou comover ao citar os “injustiçados do 8/1”. Citou, em particular, idosas incriminadas. Ele afirmou que deve ser condenado a umas 30 décadas de cadeia e prometeu: “Não vou sair do Brasil”! Ainda foi além: “Eu vou ser um problema para eles, preso ou morto!” – Bolsonaro quis, com a frase, deixar claro que ainda marca o território. E, no final de sua fala, mostrou depositar esperanças de que o futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral suspenda sua inelegibilidade.

A manifestação de hoje na praia de Copacabana oficialmente, de fato, foi em prol da anistia dos condenados do 8/1 (se são baderneiros, golpistas ou manipulados pela esquerda, vai depender de sua orientação política). Mas, na prática, o evento de hoje não mudará em nada o verdadeiro objetivo: mudar o destino do ex-capitão, que já está traçado. “Bolsonaro, se você não voltar, do que adianta o meu viver. Se não você não voltar, o Brasil vai padecer”, declamava um dos locutores, no pré-evento, numa espécie epitáfio do ex-militar.

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Como é de praxe, irão circular fotos que, a depender do ângulo, irão mostrar o sucesso ou o fracasso do ocorrido. Aparentemente, entretanto, uma parcela bem distante do 1 milhão esperado colocou a camisa da seleção brasileira e foi ao local combinado – em sua fala, Bolsonaro admitiu que não foi das maiores manifestações de sua turma. Há dez anos e um dia ocorreram as primeiras grandes manifestações nas cidades brasileiras contra a ex-presidente Dilma Rousseff, que resultaram no impeachment. Desde então, esses eventos se banalizaram e não causam mais tanto impacto político. Aliás, a história de pedir impeachment do Lula foi esquecida.

É preciso levar em conta, no entanto, que o bolsonarismo tem sido de alguma forma bem-sucedido ao transformar o pessoal preso pelo 8/1 em mártires brasileiros. Circulam nos grupos de WhatsApp, diariamente, aqueles memes em que comparam a provável pena de vários anos de uma cabeleireira que pichou de batom a estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal, Débora dos Santos, com a sequência de figurões livres da Lava-Jato. O governador Tarcísio, inclusive, utilizou-se desse argumento para cutucar a justiça. Bolsonaro fez até uma revelação: o presidente do PSD, Gilberto Kassab, estaria com ele na anistia. A conferir.

Os desequilíbrios do STF e do ministro Alexandre de Moraes, na prática, ajudam a tese dos que condenam a suprema corte brasileira. Quem frequenta o submundo dessa linha política saberá que tentam criar até um mártir, o empresário Clériston Pereira, que morreu na prisão, pelos atos de 8/1, numa espécie de Rubens Paiva da direita, “assassinado pela ditadura da Toga”. Houve na multidão gritos de “assassino”, contra o ministro Moraes. O bispo Malafaia, organizador do evento, chamou o ministro de “criminoso” pelo eterno inquérito das fake news.

A anistia que realmente interessa a Bolsonaro é a dele mesmo. Seu drama vai de evitar uma prisão iminente até - quem sabe - um dia voltar à presidência da República. Ele tem até mesmo o exemplo do arquirrival que foi do inferno da cadeia ao paraíso (?) da Presidência em pouco mais de três anos. Sua turma fala até de intervenção do presidente Donald Trump. As pessoas têm a liberdade para sonhar.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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