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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Milei mostra que os extremos ainda rondam o Brasil

Eleição na argentina é a prova de que a raiva e o desespero podem ser algumas das razões mais fortes a mover eleitores; fica o sinal para o Brasil buscar a responsabilidade

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Foto do author Fabiano Lana
Atualização:

A Argentina, pátria do realismo mágico dos escritores Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, elegeu Javier Milei, um futuro presidente que, segundo consta, se aconselha com cachorros e conversa espiritualmente com economistas liberais já mortos. É a prova de que a raiva e o desespero podem ser algumas das razões mais fortes a mover eleitores. Novamente temos um grupo político apeado do poder pela inflação estonteante no país vizinho, que há décadas não tem conseguido fazer os gastos do Estado se adequarem ao orçamento. Fica o sinal para o Brasil, que vive um dilema entre ser ou não um governo responsável com as contas públicas, buscar a responsabilidade.

Milei foi qualificado de louco, ultradireita, anarcocapitalista, extremista. Também como alguém que ouve vozes do além como se enfrentasse um surto. É aquele que aparece numa propaganda eleitoral com um martelo destruindo uma maquete do Banco Central. Milei é uma prova de que o dito conservador “o povo prefere o mal conhecido ao bem desconhecido” não costuma funcionar na América Latina. O eleitor tem preferido até mesmo o mal ignorado para se livrar de um presente que considera insuportável. São tempos interessantes, no significado original desse dito chinês que diz que os momentos mais excitantes da história são os melhores para se ler e os piores para se viver.

Javier Milei derrotou o candidato do governo, Sergio Massa, no segundo turno das eleições argentinas Foto: Natacha Pisarenko/AP

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A choradeira será enorme, inclusive aqui no Brasil. Haverá o discurso de que “a democracia foi derrotada”. Aliás, é preciso deixar claro que alternância de vitórias de candidatos opostos ideologicamente mostra que, apesar de tudo, a democracia resiste, tanto na Argentina como no Brasil. Aqui nas nossas terras um adendo: os mesmo que disseram que só um governo do PT garantiria a democracia no Brasil não tiveram pudores de utilizar-se de fake news para atacar jornalistas do Estadão que divulgaram informações inconvenientes ao grupo de plantão no poder. Então, sempre bom desconfiar de grupos políticos que se consideram como monopolistas da democracia.

O fato é que o Brasil entra numa era de incerteza na relação com um dos nossos maiores parceiros comerciais. Milei já disse que não falará com Lula na Argentina. A desavença ficou ainda maior quando foi divulgado que um grupo de marqueteiros ligados ao Partido dos Trabalhadores atuou para o candidato esquerdista, Sergio Massa, de maneira a ajudá-lo na vitória retumbante (sic) que teve no debate há uma semana, segundo quase todas as análises (erradas) da imprensa mundial. Há arestas urgentes a serem reparadas entre brasileiros e argentinos. Aliás, a primeira-dama Janja postou no dia das eleições uma mensagem de apoio a Massa.

Em tempos de polarizações, redes sociais e discursos de ódio, uma consequência possível e muito provável de todo populismo de esquerda é a eleição de um populismo de direita — e o contrário. Tome-se o caso da irresponsabilidade fiscal de Dilma e a consequente recessão que foram alguns dos motores que elegeram Bolsonaro. Parte expressiva do PT continua a sustentar que Dilma não errou e querem insistir nas mesmas políticas, para desespero das cabeças responsáveis da área econômica.

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Por outro lado, moderados ainda não têm sabido como se posicionar nesse novo mundo de comunicações horizontais. Milei é apenas um sintoma de uma nova era que vivemos e que o Brasil já enfrentou, assim como os Estados Unidos. Mas nada indica que esses tempos estão para sempre enterrados. Basta aparecer um novo “maluco” em cenário de caos para levar novamente o poder.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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