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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Nem na política (nem na antipolítica) existem princípios, só conveniências

Proposta de limitar delação premiada resgatada por Arthur Lira é projeto para salvar o ex-presidente Jair Bolsonaro

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Foto do author Fabiano Lana

Nas voltas que o mundo dá, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu na semana passada pautar um projeto que na prática proíbe as delações premiadas, além de tornar crime a divulgação do conteúdo dos depoimentos. Proposto originalmente em 2016 pelo então deputado do PT, Wadih Damous, para livrar a pele dos petistas encrencados com a Operação Lava Jato, aparentemente o projeto agora é para salvar o ex-presidente Jair Bolsonaro da prisão.

A trajetória das delações premiadas no Brasil é mais uma comprovação prática do pensamento do filósofo Friederich Nietzche, do século 19, segundo o qual toda indignação moral na verdade esconde alguma luta por mais espaços de poder. E o escritor não se referia apenas à política, mas a qualquer movimento da humanidade.

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, retomou votação de projeto que limita delações premiadas Foto: Wilton Júnior/Estadao

É uma visão pessimista da trajetória da civilização. Até porque, se a gente for levar a ferro e fogo a concepção de Nietzche, até mesmo movimentos que envolvem marginalizados teriam de ser incluídos. Nesse sentido, por trás de suas causas, as minorias queriam ter, na verdade, é mais domínio, e sempre de maneira crescente sobre os demais. Quantos personagens políticos da história que vieram dos extratos mais carentes da sociedade e se tornaram tiranos? Muitos. Podemos citar agora o venezuelano Hugo Chávez, por exemplo. É aquela máxima popular: só é possível analisar o caráter de alguém depois de lhe concedermos poder.

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“Infelizmente assinei a lei que criou a delação premiada. Digo infelizmente porque ela foi assinada genericamente, sem tipificação exaustiva. E a vida mostrou que sem tipificação exaustiva ela poderia virar uma arma de arbítrio, de absoluta exceção”, afirmou, em 2018, a ex-presidente Dilma Rousseff, que acabou por se tornar mais uma vítima, entre tantas, de sua própria iniciativa. O texto foi assinado em 2013 quando a presidente, acuada por queda brusca de popularidade e gigantescas manifestações de rua, procurava dar respostas à sociedade.

Em resumo, nem há uma década, com Dilma Rousseff, nem em 2016, com o petista Waldih Damous, nem em 2024, com Arthur Lira, o que se tem em vista é o aprimoramento da sociedade. O que há são iniciativas para resolver um problema político que se encontra bem à frente. No primeiro caso acalmar a multidão, no segundo safar o PT, Dilma e Lula, e agora, Jair Bolsonaro – sempre no “curtaprazismo” da ameaça visível. E a retórica da necessidade de se fazer justiça está sempre presente.

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Apenas para irmos a mais alguns pormenores das grandes incoerências. Em 2016, o próprio Wadih Damous propôs “fechar o STF”, quando o Tribunal tomava decisões que enfraqueciam o petismo. Dois anos depois foi a vez de o filho 03 de Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, propor a mesma coisa no início de uma hostilidade contra o Supremo que marcou toda a gestão do nosso penúltimo presidente, hoje inelegível. Atualmente, é de bom tom no petismo defender até o fim o ativismo do STF, que se volta contra o bolsonarismo. Onde estão as conveniências e os princípios nas mudanças constante de posições desses atores?

É bem provável que a estratégia da vez, comandada por Lira, não dê certo. Juristas avisam que como se trata de algo do direito processual, o fim da delação premiada não retroage para beneficiar eventuais réus. Como as decisões dos magistrados brasileiros nos últimos anos vai em um certo zigue-zague jurisprudencial, de maneira que se desconfie de que interpretações de lei também se subordinem à disputa por poder, tudo pode acontecer. Mas é certo que as nuvens entre os poderosos da Justiça não andam favoráveis ao ex-capitão Jair Bolsonaro.

Fica a dúvida portanto, se o instrumento da delação premiada é benéfico ou não ao país. Se de fato combateu o crime ou foi apenas utilizado por promotores e mesmo juízes para, da parte deles, aumentar seu naco de poder sobre a nossa sociedade. Talvez todas as coisas contraditórias conjuntamente. Nas teias entrelaçadas de interesses, talvez nunca venhamos a saber de maneira precisa.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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