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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Onde estão os reacionários? Onde está a extrema esquerda?

Radicais tentam fingir que são tolerantes enquanto setores moderados entraram em grave crise de representatividade

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Foto do author Fabiano Lana

Em um mundo em que setores moderados entraram em grave crise de representatividade, radicais tentam fingir que são tolerantes. Isso vale para o evento conservador com a presença de Jair Bolsonaro ocorrido em Santa Catarina, assim como certas posições da chamada esquerda brasileira e mundial.

De um ponto de vista objetivo, estar na esquerda ou na direita pode ser apenas uma questão de perspectiva. Se você está na praia de Copacabana a olhar para o mar e caminha até em direção ao forte, todos ficarão à sua esquerda. Se você vai para o Leme, os direitistas aumentarão a cada passo. Ideologicamente, muita gente é assim. Estão tão em uma ponta que tendem a acreditar que quase todos são seus inimigos em juízos sobre os valores do mundo. São os radicais, os extremos que se comportam assim.

Javier Milei, presidente da Argentina, ao lado de Jair Bolsonaro na CPAC Brasil, que ocorreu no fim de semana Foto: Evaristo Sa/AFP

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Quem está ao centro costuma ser antagonizado por ambos os lados. Tome-se o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Neoliberal” para o petismo. Praticamente um comunista a ser fuzilado pelo grupo político que se localizava do outro lado da praia metafórica. Os jornais, herdeiros de uma tradição liberal, padecem do mesmo problema e são atacados como inimigos tanto à esquerda como à direita.

Na verdade, nas disputas políticas cotidianas, termos como direita e esquerda servem mais para a luta pelo poder do que para uma certa qualificação objetiva. Isso vale, por óbvio, com as expressões como “extrema esquerda” e “extrema direita”. Ser de extremo, hoje, equivale a representar o mal. Mais do que algo objetivo, tornou-se também um rótulo moral.

A proposta aqui é imaginar o que poderia extremo. Ora, apoiar ou ser simpático a ditaduras, acredito, deveria ser uma questão anormal em um ambiente democrático. Logo se você acredita em soluções para a sociedade como a chinesa, a cubana, a venezuelana, a iraniana, a russa, ou a saudita, a preconizada pelo Hamas, entre tantas outras, está num ambiente ideológico “extremista”.

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Outra questão é a lei. Se imaginar que qualquer solução para uma sociedade deve ocorrer ao arrepio da legislação pode ser considerado um cidadão dos extremos. Isso valeria para os adeptos do Movimento Sem Terra, que invadem propriedades protegidas pelo Estado de Direito, ou mesmo apoiadores da invasão das sedes dos Executivo, Legislativo e Judiciário brasileiro no dia 8 de janeiro de 2023. Aqui, neste texto, nem se analisa se as causas são justas ou não, mas apenas tenta mostrar que partir para soluções radicais pode te colocar num extremo. Particularmente também é possível considerar que buscar um modelo para contas públicas que ignore o risco à confiança que é aumentar a eternamente a dívida em país emergente é também um tipo de extremismo inflacionário, mas deixa para lá (pela razão de colocar boa parte do partido que hoje comanda o governo brasileiro na área extrema).

Temos ainda o caso francês, onde o líder da chamada França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, vencedor das eleições de domingo, 7, não considera o grupo Hamas, que sequestrou e assassinou pessoas inocentes, como terrorista. Pelo critério aqui adotado, Mélenchon um extremista. Uma curiosidade: na França, ambos os polos chamados de extremistas uns pelos outros querem reverter a reforma da previdência conduzida pelo atual presidente, o centrista Emmanuel Macron. É preciso reiterar que algo une os extremistas em qualquer lugar do mundo: o repúdio ao centro-liberal. Aliás, um bom critério para você se considerar extremista é achar que o seu adversário político tem algum problema de caráter e não apenas uma visão diferente das coisas.

Presidente francês Emmanuel Macron: polos chamados de extremistas uns pelos outros querem reverter a reforma da previdência conduzida por ele Foto: Mohammed Badra Pool/AP

Acompanhamos no fim semana o encontro da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), que aqui no Brasil é ligada ao bolsonarismo. O termo “conservador” muitas vezes tem sido utilizado como sinônimo de gente direitista (extrema), ou reacionária – o que é um erro. Conservadorismo tem a ver com prudência, respeito às instituições, reformismo, ao invés de revoluções ou atos radicais. Mas em um mundo em que conservadores de fato perderam relevâncias, os rótulo foi tomado de assalto por certos bandoleiros ideológicos que se orgulham dos arroubos irrefletidos.

Ora, fenômenos como o trumpismo nos EUA ou mesmo o bolsonarismo no Brasil estão bem longe do conservadorismo. De uma perspectiva conservadora é possível até mesmo aceitar temas delicados e controversos como a liberação das drogas e do aborto, contando que as instituições assim o decidam. Mas o que tivemos em Balneário Camboriú, pelo pensamento médio dos presentes, foi a apologia de ações reacionárias, no sentido do termo de um movimento que procura restaurar os valores e a ordem do passado, que para seus representantes guardaria uma espécie de estado de integridade que se perdeu. Slogans como Make American Great Again, que representa um movimento xenofóbico anti-imigrante, ou certa nostalgia do governo pós-golpe militar brasileiro podem ser tidos como reacionários e de extrema direita. Inclusive, evento conservador não costuma expulsar repórteres do recinto nem mesmo hostilizar adversários políticos com palavras chulas.

Em sentidos diferentes a extrema esquerda e reacionários a extrema direita querem mudanças rápidas, urgentes, improrrogáveis na sociedade, em alguns casos mesmo que a custo de violência, porém em sentidos diferentes. Ambos desconfiam do liberalismo e das instituições. Ambos veem conspirações em tudo, sobretudo das “elites”. Pense em bolsonaristas na frente do quartel exigindo intervenção militar como que para restaurar a ditadura de 1964. Pensem naquele professor universitário que ainda sonha com a revolução comunista em pleno 2024. Ambos os grupos são extremistas e têm como inimigo comum tanto o conservador como o liberal verdadeiros, que tendem a ser pessoas sem convicções arraigadas.

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Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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