Existe algo de suicida na resistência do presidente Lula, de setores do governo, do Partido dos Trabalhadores, da esquerda, dos magistrados com altos salários, das corporações de funcionários públicos, do Parlamento, de tanta gente com poder, em implantar um modelo econômico que livre o Brasil de vez dos déficits crônicos.
Pela simples razão de que a tendência inexorável de um País sempre no vermelho é chegar ao colapso recheado de inflação, desemprego, desespero e desalento. Tais tipos de crise são terreno fértil para os populistas autoritários de plantão, prontos a dar o bote, como foi o caso de um certo ex-capitão, delinquente político e golpista, a atender pelo nome de Jair Bolsonaro.
Vale avivar a memória dos últimos meses do primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff. Estávamos com pleno emprego em 2014. Os poucos que apontaram inconsistência da política fiscal eram taxados de nomes como “Pessimildo”, “velho do Restelho” e outros termos do vocabulário peculiar de nossa ex-presidente. Não é de hoje que o PT tenta solucionar problemas econômicos profundos no grito, na fake news ou na pura ofensa, e nisso a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, é apenas mais uma da linhagem da cultura do insulto.
Em 2015, a infecção do déficit já era hemorragia e o País, como consequência, entrou numa espiral de recessão, desemprego, da qual até hoje não se recuperou. A operação Lava Jato, ao revelar tanto desvio de dinheiro público, deixou as coisas mais turvas ao transmitir a impressão equivocada de que todos os problemas brasileiros era derivados da corrupção, o que é um reducionismo. Em resumo, até os Pessimildos estavam otimistas.
Um epifenômeno dessa “tempestade perfeita” da era Dilma foi a ascensão de Bolsonaro. Um político que em sua longa trajetória no Parlamento, além das declarações sórdidas e defesa de sua corporação militar, nunca havia dado bola para questões econômicas. Tinha, inclusive, o hábito de votar junto com o Partido dos Trabalhadores nas pautas que envolviam ajustes de contas, enxugamento do Estado, ou privatizações. O Brasil elegeu em 2018 um político a favor da ditadura militar, da tortura e do fuzilamento que, como uma barata de holocausto, havia sobrevivido às múltiplas crises que aniquilaram a classe política tradicional.
Essa história não é só brasileira. Debacles econômicos são caminho fértil para autoritários e radicais em qualquer lugar do mundo. Temos o caso da vizinha Venezuela a partir dos anos 90. Temos o caso da Europa, dos anos 30 do século passado, em que crises econômicas levaram uma série de países para o fascismo, um atrás do outro. Os casos estão em todo lugar.
Por seus méritos - por permitir vozes dissonantes, por tolerar questionamentos - democracias muitas vezes são regimes instáveis. Precisam ser bem cuidadas. E uma maneira de preservar fundamentos democráticos é ser economicamente responsável, buscar um mínimo de equilíbrio.
Muito mais do que especulação de um bando de gente má (não que os do mercado sejam gente excelente), o dólar ter chegado R$ 6,30 é fruto de desconfianças em relação a um grupo político que não gosta de submeter as contas públicas às operações aritméticas da adição (arrecadação) e subtração (gastos). Ao pessoal da compreensão infantil da economia: não, não foram os memes que fizeram o dólar subir, nem mesmo um perfil de fake news de 5 mil seguidores.
A necessidade do ajuste é o terror dos populistas que gostam de sacrificar o futuro em busca de um presente de prosperidade que os consagre eleitoralmente. Mas, por outro lado, mesmo que aparentemente seja um empecilho a avanços sociais velozes, a responsabilidade é o que permite um crescimento consistente, sem saltos para trás.
É impressionante como essa ideia não tem aderência em grande parte da elite política, jornalística, ou de funcionários públicos. O risco de ser frouxo no que se precisa ser vigilante, é trazer de volta os aventureiros da antipolítica. Vários, anônimos ou não, estão em eterno aquecimento para buscar novamente o poder.
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