Nem mesmo os mais aguerridos simpatizantes negam que o governo sofreu uma derrota acachapante nesta terça-feira, 28, no Congresso com a derrubada dos vetos que retomavam as chamadas “saidinhas” dos presidiários e que tipificavam como crime as mensagens que, em tese, disseminariam desinformações em período eleitoral. Nesse contexto, chama a atenção o comportamento de parlamentares de partidos com ministérios na esplanada. Mesmo com cargos e estrutura à disposição, ignoraram os apelos e derrotaram o Palácio do Planalto sem qualquer preocupação com represálias.
Os temas em votação nesta semana eram emblemáticos e de apelo popular. Segurança pública é uma das questões que mais preocupa o brasileiro, com razão, revoltado com casos de impunidade, dos grandes esquemas ao furto do celular. É também sujeita às ações populistas que costumam ser bastante aplaudidas pela maioria – tome-se o caso do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, e sua política de encarceramentos em massa. Sua aprovação chegou a 90% e foi reeleito com facilidade, mesmo com veto da Constituição local. Já a questão das fake news é de difícil objetificação. Muitas vezes, “fake” é o que não se adequa à ideologia ou aos afetos de preferência.
O resultado no Congresso mostra que o chamado presidencialismo de coalização, termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches, no qual o Executivo precisa firmar alianças com partidos com qual não possui afinidades para conseguir vitórias no Congresso, está ultrapassado. Chegamos a um novo patamar que pode ser chamado presidencialismo de ocupação. Hoje, os partidos mais fortes têm garantido seu quinhão na máquina sem obrigações de serem fiéis ao Palácio do Planalto.
Tome-se o caso apenas da “saidinha”. O Republicanos, titular da pasta de Portos e Aeroportos, registrou 30 votos contra o veto de Lula na Câmara e apenas um a favor. O União Brasil, com seus três ministérios, votou em massa contra o presidente: 54 contra um único voto. O PSD do eterno governista Gilberto Kassab, que possui os ministérios das Minas e Energia, Agricultura e Pesca, registrou 29 contra 12 votos, para derrubar o veto. O MDB, também com três ministérios, marcou o placar 21 contra cinco votos para derrotar o presidente. Nem adiantou espalhar que o tema era de interesse pessoal de Lula.
O governo é hoje refém desse sistema de ocupação de espaços do Estado por quem não precisa sequer dar satisfações. Desde a implantação das emendas impositivas para os parlamentares enviarem recursos para suas bases, de liberação obrigatória, e do orçamento secreto, controlado pelo próprio Legislativo, o Executivo tem perdido as armas para retaliar congressistas infiéis. Hoje, partidos da base possuem ministérios, definem a pauta congressual e não precisam prestar contas. O governo aceita simplesmente para sobreviver.
De acordo com levantamento da Action Consultoria, em dados publicados pelo Estadão em artigo do cientista político Murilo Medeiros, em 2006, 80% dos projetos de iniciativa da presidência da República eram referendados pelo Legislativo. No ano passado, Lula só conseguiu aprovar 24% das proposições enviadas ao parlamento – o que indica a velocidade dessa erosão de poder.
Enquanto isso, do total de proposições aprovadas no Congresso em 2023, 72% são projetos com origem na Câmara ou Senado. Em 2012, eram apenas 18% dos projetos. A questão, portanto, pode ser mais do que conjuntural. Provavelmente é estrutural e será um desafio para qualquer partido que conquiste o Palácio do Planalto.
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A essa perda progressiva de força do Executivo é preciso somar também que o governo atual, do ponto de vista dos valores defendidos pelo petismo, está em minoria em relação aos interesses e desejos da maioria da população – em um período histórico de avanço de pautas ligadas ao conservadorismo e até mesmo do reacionarismo. A tal ponto que mesmo parlamentares do PT como a deputada Maria do Rosário (RS), pré-candidata à prefeitura de Porto Alegre, talvez preocupada com o eleitorado, votaram contra o próprio partido. Já com relação à economia, o partido segue preso aos anos 50 do século passado e é ótimo que perca sempre nesse quesito.
Com braços curtos para punir, pouco controle sobre o orçamento e com uma agenda que sofre forte oposição diária, resta ao governo conseguir encontrar quais são as pautas que são afins com sua base fluida e rebelde. Teve êxito na primeira etapa da reforma tributária, por exemplo. Mas se não for assim, com certa cabeça baixa em relação aos interesses do parlamento, continuará a sofrer derrotas constantes, contundentes como a do último dia 28 de maio. Essa ocupação aos antigos domínios da Presidência, não desejável pelo PT e por Lula, não parece ser facilmente reversível.
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