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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião | Reunião de Lula sobre Meta é evidente preocupação casuística, não de princípios

Jamais existirá controle sobre “fake news”, no máximo um controle arbitrário e questionável sobre o que deve ou não ser dito pela ideologia ora no poder

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Atualização:

Esqueçam essa história de que a batalha para controlar as redes sociais seja uma espécie de luta virtuosa para que a verdade se estabeleça e os povos alcancem a comunhão. Assim como esqueçam que os defensores da rede como um território sem regulação estejam lutando pela “liberdade”. Por trás de toda retórica dos grupos empresariais e dos movimentos sociais e políticos, em disputa pelo controle das redes, há apenas luta pela consolidação ou retomada de poder.

É nesse panorama que o governo petista sonha com um controle maior das redes, que hoje são um território mais hostil do que amigável ao Planalto. Reunião de presidente da República com ministros para discutir o assunto é apenas jogo de cena. É evidente que se trata de uma preocupação casuística, não de princípios.

O presidente Lula se reuniu com ministros para planejar reações à empresa Meta de Mark Zuckerberg Foto: WILTON JUNIOR

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Além disso, quem está realmente por dentro do processo tem consciência de que a crítica contumaz, mesmo o ódio ao governo, os discursos violentos contra o presidente e seu grupo político, contra o Supremo Tribunal Federal, e tudo mais que se sonha ser controlado, segue mesmo é nos aplicativos de mensagens, ainda longe das garras do Estado. Controlar as postagens veiculadas em big techs em tempos de grupos de zap de amigos, da família, do colégio etc., será colocar um band-aid num quadro de infecção generalizada.

Big techs não são instituições bem-intencionadas. São empresas que querem lucros, e quanto mais faturamento melhor para seus proprietários e acionistas. Redes sociais hoje são plataformas de propaganda a sugar cada vez mais o dinheiro mundial de dezenas de ações de comunicação antes pulverizadas. Ganham dinheiro com o vício estimulado pelo que se passa nas telas. Mas quando se quer controlar informações que circulam nas plataformas de redes, não se busca estabelecer uma discussão pautada pela verdade, mas obter algum ganho político ou retomar ganhos econômicos.

Hoje, com as informações e as opiniões circulando caoticamente (com toda a dose de grosseria e infâmias incluídas) quem tem saído prejudicado é a esquerda mundial. Por isso, querem controlar esse anárquico e agressivo debate planetário. Em outro momento histórico, quando o fluxo de falas prejudicava a direita, era esse grupo que pregava e exercia o controle – na ditadura, jornais brasileiros precisavam conviver com censores diariamente. Logo, por trás da preocupação com a “verdade” o que temos é a eterna disputa por poder somada com o tempero habitual de hipocrisia.

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Vejamos alguns exemplos de como, de início, controlar o que é ou não é fake News, na política, é desde já um projeto fracassado. Para os petistas que foram à posse de Nicolás Maduro na Venezuela é falso que o país viva uma ditadura. O que existe lá, na cabeça desses militantes, é um sistema que combate o fascismo mundial e se opõe ao perverso regime norte-americano. Aliás, quem conhece o histórico das campanhas eleitorais do petismo deve achar risível toda essa preocupação anunciada com o que circula nas redes. Por outro lado, para muita gente do chamado bolsonarismo, a ação que derrubou o presidente João Goulart em 1964 e instalou um regime militar que durou 25 anos evitou que o comunismo se instalasse definitivamente no Brasil, assim como já havia ocorrido em Cuba ou na Coréia. Eram tempos polarizados – como sempre foram.

Claro que existe a mentira deslavada, mas quando se está em jogo questões de poder o que se tem são perspectivas diferentes para um mesmo acontecimento. Para darmos outro exemplo. A subida de juros do Banco Central, então comandado por Roberto Campos Neto, era para conter a inflação brasileira (que aliás passou da meta) ou uma espécie de boicote ao governo Lula? O que é a verdade nesse caso simples? Pode ser que exista, mas sua posição sobre os fatos políticos depende de suas simpatias políticas.

O conceito de verdade objetiva anda em xeque há bem mais de um século em setores em que esperava mais certeza, como ciência, filosofia e até mesmo nas relações entre a lógica e a matemática. É ingênuo, ou cínico, imaginar que tenhamos um critério claro para definir o que é ou não é falso em temas que estão em disputa na política.

Nem mesmo agências de checagem são capazes de dar respostas definitivas aos dilemas que dividem a sociedade. Afinal, o socialismo é caminho para a pobreza? Ou então é o capitalismo que impede a população a atingir a tão sonhada emancipação? Verdade e mentira (hoje chamada de fake news) não são de distinção tão fácil nas coisas que afetam emocionalmente. Para um ateu convicto, a expressão “Deus existe” é apenas uma ilusão e não haveria acordo possível – se quisermos buscar um exemplo fora das disputas políticas.

A questão é que fatos não falam. É preciso que um humano fale sobre as coisas que ocorrem. Seja por sua voz ou pelos aparelhos que inventa. “A pedra está sobre a grama”, isso é uma asserção de humanos, não uma voz dos objetos inanimados. E, para complicar o problema, o mundo, a natureza, não divide as coisas em boas ou más – nós que fazemos isso e talvez nunca conseguiremos entrar em um acordo. Os temas como aborto, drogas, imigração, estão aí para comprovar essa tese. Em resumo, jamais existirá controle sobre “fake news”, no máximo um controle arbitrário e questionável sobre o que deve ou não ser dito pela ideologia ora no poder.

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Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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