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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião | Culpar as fake news pelos erros do governo Lula é fake news

A questão da taxação do Pix e a resposta que se pretender dar a essa fragorosa derrota política do governo, por meio da punição severa a quem reagiu, mesmo que seja por meio de desconfianças e insinuações, se encaixa nessa visão autoritária e enganosa dos fatos

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Foto do author Fabiano Lana
Atualização:

Temos uma nova fake news na praça, e de teor oficial: sustentar que o governo federal é excelente, que oferece serviços satisfatórios à população, que nos colocou novamente na rota do desenvolvimento e da democracia, mas a população em sua esmagadora maioria só não tem consciência desses magníficos fatos porque está com a sua percepção turvada pelas fake news estimuladas pelas bigh techs, como a Meta de Mark Zuckerberg ou o “X” de Elon Musk, trumpistas, logo gente má.

Um corolário desse tipo de pensamento auto ilusório é colocar a culpa nos próprios problemas como se fosse algo de ajuste de “comunicação” para enfrentar essas big techs. Como se questões de sentimentos em relação à gestão, algo de uma complexidade e profundidade significativas, tivesse a ver sobretudo com propaganda. O resultado dessa soma de autoenganos tem sido querer criminalizar, censurar ou mesmo perseguir politicamente quem não possui essa visão rósea da administração Luiz Inácio Lula da Silva.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião no Palácio do Planalto  Foto: Ricardo Stuckert/PR

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A questão da taxação do Pix e a resposta que se pretender dar a essa fragorosa derrota política do governo, por meio da punição severa a quem reagiu, mesmo que seja por meio de desconfianças e insinuações, se encaixa nessa visão autoritária e enganosa dos fatos.

O vídeo do deputado Nikolas Ferreira criticando a acesso da receita a movimentações via Pix acima de R$ 5 mil chegou a mais de 200 milhões de views não devido a fake news, crimes, ou teorias da conspiração como “auxílio deliberado da Meta para aumentar a visualização” (outra fake news). Mas porque a sociedade, majoritariamente, tem percebido que o governo está obcecado em aumentar a arrecadação buscando qualquer brecha disponível. O fato tornou um prato cheio para um parlamentar oportunista e com amplo domínio do modus operandi das redes.

Como o PT bem sabe, por ser mestre no assunto ao longo de sua trajetória até bem recentemente, fake news sempre foi parte do debate político. E que considerar versões divergentes sobre um acontecimento como fake news também faz parte da luta política. Muitas vezes, quando se quer coibir “fake news”, o que se pretende, na verdade, é restringir opiniões e informações que não corroborem a versão oficial das coisas. É o que estão buscando fazer quando clamam por regulação e controle.

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De fato, é angustiante para um presidente que já foi quase unanimidade nacional, no ano de 2010, imaginar que hoje mal consegue agradar a metade do eleitorado. Talvez um pouco menos. E que boas notícias na economia como baixo índice de desemprego e um crescimento do PIB pouco acima de 3% não levem à consagração popular. Pior que hoje não é mais possível colocar a culpa nos tucanos, no ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ou mesmo na Rede Globo. É preciso encontrar outro inimigo.

Mas ao invés de jogar a responsabilidade em desafetos físicos ou jurídicos não seria melhor ter um diagnóstico mais preciso e sincero das circunstâncias? Imaginar, por exemplo, que uma parcela da sociedade, quando prospera, acredita que seja mérito próprio e não do governo de plantão, caso do segmento evangélico? Que certos posicionamentos, seja na área internacional, seja na questão de valores, não encontram mais aderência na população brasileira?

Admitir que se fale demais para convertidos e não com aqueles que ainda veem o governo com desconfiança? Que muitas vezes até os que apoiaram o presidente Lula no segundo turno de 2022, alegando querer evitar o mal maior, são gratuitamente agredidos. Que mesmo o estilo deslumbrado da primeira-dama e seu alto custo na estrutura de governo pode ser uma âncora na aprovação. Que a leniência com a inflação pode ser um fator de corrosão de popularidade? Será que as falas do presidente Lula, em geral longas e autocongratulatórias, não têm mais o poder de encantar como era antigamente, num mundo dos cortes rápidos das redes sociais? É preciso investigar tudo isso.

Lembrar, por exemplo, que Lula venceu apenas nas faixas de renda de até dois salários mínimos. O que levaria a conclusão, lógica, de que quanto maior o acesso à internet maior a rejeição ao governo – e talvez por isso o banho que o petismo leve nas redes e qualquer tentativa de coibir o debate seria contraprodutiva. O que se vê nas redes é consequência de um estado de espírito de quem por lá frequenta, não exatamente uma manipulação perversa de um algoritmo.

Enfim, sem preconceitos e ideias preconcebidas, entender as razões do mal humor da população para tentar buscar a solução correta. Admitir que o governo é medíocre, no sentido do termo de “estar apenas na média”, sem entregas ou realizações vistosas, e aproveitar que neste momento, devido às divisões no campo político adversário, o presidente Lula, mesmo com números insatisfatórios de aprovação, segue como favorito para as eleições de 2026 – o que pode mudar caso os erros de diagnóstico continuem.

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Por último, mas não menos relevante: na crise do Pix o deputado bolsonarista Nikolas, evangélico, de 28 anos, passou a ter mais seguidores nas redes do que o presidente Lula, com décadas de trajetória política. Melhor do que tentar cassar ou prender o rapaz, talvez o melhor é se aprofundar nas suas técnicas e meios e buscar algum aprendizado nisso – para neutralizar movimentos como o dele na política, na comunicação correta, e não na polícia.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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