Do ponto de vista de uma percepção da lógica profunda das coisas, a comemoração do ano novo não faz quase nenhum sentido. Uma suposta passagem arbitrária da Terra em relação a algum ponto do Sol, que poderia ser qualquer outro. Mas por isso, por essas voltas, a natureza , em muitos de seus processos, passou a se organizar por ciclos que costumamos chamar de estações. Estações, aliás, que passaram a controlar parte de nossas vidas, na hora de semear, na hora de colher, na hora de cultivar. Passaram também a determinar meses, dias, até nossa relação com o tempo, algo circular.
Para nós, gente da cidade, esses ciclos da natureza estão cada vez mais distantes, fora as reações das grandes secas e inundações - aparentemente cada vez mais ferozes. Com os olhos sempre nas telas, talvez tenhamos de refletir como estamos longe da natureza que nos constitui. Não sabemos nem mais exatamente o que é a noite desde o advento da energia elétrica.
Desde a chegada do rádio ― e não das redes sociais ― o mundo já é uma entidade global. Cada vez mais, menos pessoas vivem no campo e conseguem sentir com todo o seu poder a força dos ciclos. Talvez por isso, o fim do ano, mais do que uma passagem cósmica, se torna uma festa em que se celebra a mudança de um número. 2025? 7012? 3043? O nascimento de um Messias? É completamente arbitrário, contingente, insustentável para as mentes mais questionadoras, intolerantes ― que veem superstição em tudo. Para quê tantos fogos e barulho, pessoal? Mas as coisas são como são.
E mesmo que seja de maneira ilusória resolvemos, mesmo que internamente, tomar importantes resoluções exatamente nessa parte do ano em que se soma a melancolia das frustrações e erros do passado remoto e recente com alguma esperança com o porvir. Celebra-se um “pode ser que dê certo”. É algo frágil, muitas vezes histérico, amargo no disfarce de júbilo. Porém muitas vezes é uma aspiração real. Uma tentativa que nessa arbitrária mais uma volta da Terra em torno do sol tomemos decisões mais acertadas - com toda a consciência escondida de que viver é decidir-se até a morte em circunstâncias em que a gente não decide.
Mas que decidir, mesmo que seja a chegar a lugar nenhum, é a condição humana inexorável que nos irmana: sejamos ricos, pobres, doentes, brilhantes ou obtusos. Melhor ser angustiado remediado do que miserável, claro, mas a angústia está sobre todos nós. Sofremos com o que não temos e também sofremos com o que conquistamos e podemos perder - e no final a morte é que levará tudo.
Nessa fragilidade intrínseca da vida a gente se agarra ao que está ao nosso alcance para prosseguir: a família, a religião, a política, uma ideologia, um líder, um guru, as paixões, o futebol, a arte, às viagens, à praia e ao calor, ao trabalho, ao que entorpece, às amizades, ao prazer físico, ao a apenas tentar sobreviver sem refletir, o que pode ser até mesmo uma forma de sabedoria nesse desespero que é a busca por sentido - algo que pode ser sem sentido.
Nesse amálgama muitas vezes insuportáveis e suportáveis de vetores para todos os lado que é a vida desejo a todos, como sempre, as melhores decisões para 2025, apesar de que não tenho a mínima condição de definir o que seja a palavra “melhor”, o que com certeza vocês sabem melhor do eu.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.