BRASÍLIA - Um erro do Supremo Tribunal Federal “inocentou” um deputado acusado por corrupção e lavagem de dinheiro. Uma ação penal que o tribunal decidiu enviar à primeira instância, com base na nova regra que limita o foro privilegiado, tomou o caminho errado – o do arquivo. O processo só voltou a tramitar após o Estado descobrir o desvio e questionar a Corte, que alegou ter ocorrido um erro e reabriu o caso.
O réu que se livraria sem julgamento é Marcos Reategui (PSD-AP), deputado federal até 31 de janeiro. Ele é acusado de, enquanto procurador estadual no Amapá, em 2006, ter atuado para viabilizar um acordo entre o Estado e uma empresa de amigos, credora de R$ 3,9 milhões do Amapá, e ficar com parte dos valores. O agora ex-deputado nega as acusações.
O rumo da ação penal, que estava na fase de apontamento de testemunhas, mudou depois da decisão do Supremo, em maio de 2018, que restringiu a competência da Corte para só julgar parlamentares se o crime tiver sido cometido durante o mandato e em razão dele. A nova regra, segundo ministros, ajudaria a reduzir o “elevador processual” – as subidas e descidas de instância paralisando inquéritos e ações penais.
De pronto, ainda em maio, o ministro-relator, Dias Toffoli, decidiu enviar o caso à 4.ª Vara Criminal de Macapá. A posição foi mantida pela Segunda Turma, em setembro, rejeitando recurso da defesa. Em vez da remessa, porém, o STF promoveu em outubro o arquivamento.
O erro só foi percebido pelo Supremo, e o deputado voltou a ser réu, após o questionamento do Estado, no dia 8. A Corte desarquivou a ação penal, após três meses, e a encaminhou a Macapá no mesmo dia. O setor apontado como responsável foi a Secretaria Judiciária do STF.
“Foi constatada falha no processamento da ação penal nos trâmites da Secretaria Judiciária do STF. Tão logo verificado o equívoco, foram adotadas as medidas necessárias ao imediato encaminhamento dos autos para a instância competente, conforme decisão da Segunda Turma”, disse o tribunal em resposta à reportagem.
Na prática, porém, o caso ficou parado por nove meses no Supremo, desde a decisão de Toffoli. O período total sem avanços no caso chega a 11 meses. O último passo na instrução foi um pedido da defesa para ouvir testemunhas em 3 de março de 2018 – ainda não analisado.
A falha causou, ainda que indiretamente, a paralisação do caso também na primeira instância, em que são rés outras pessoas que não tinham foro no Supremo. Reategui agora se juntará a elas.
À reportagem, o ex-deputado federal disse desconhecer a informação de arquivamento e que acreditava que o caso tivesse ido à primeira instância. “Se houve um arquivamento por engano, coisa que eu não sei, isso é corrigido e o caso continua. Eu só lamento que demore mais ainda para esclarecer que se trata de uma armação”, afirmou.
‘Elevador’. O arquivamento indevido foi um ponto fora da curva, mas diversos outros casos pararam após a decisão de envio a instâncias inferiores. Enquanto os recursos são analisados, medidas de investigação e tomada de depoimentos estão interrompidas. Treze inquéritos e ações penais que foram alvo de decisão deste tipo em maio de 2018 ainda não haviam sido baixadas até o início de fevereiro, incluindo a de Marcos Reategui.
Os motivos para o longo período para o envio não são apenas os recursos. A própria forma como cada ministro-relator lida com essa situação faz diferença. Até sexta-feira, havia 17 processos aguardando julgamento de recursos. Nenhum deles é de relatoria dos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Os dois magistrados adotaram, como regra, o envio independentemente de recursos. Quando questionamentos das defesas chegaram, os dois ministros abriram um procedimento à parte para análise, sem prejudicar o andamento do caso nas outras instâncias. Se a decisão for revista na turma, o tribunal pode pedir à outra instância o retorno.
Condução diferente tem sido adotada pelo ministro Gilmar Mendes em uma ação penal que tem como alvo o deputado federal Édio Lopes (PR-RR). O relator decidiu encaminhar à Comarca de Boa Vista (RR) em maio de 2018. A Procuradoria recorreu. Nove meses depois, o ministro nem sequer liberou o recurso para julgamento.
Deixar de enviar casos para outras instâncias durante análise de recursos pode ter como efeito prático a paralisação de atividades de investigação por meses, uma vez que os processos são físicos. Eles não ficam à disposição da Polícia Federal, por exemplo, no período. A cada vez que isso acontece, o “elevador processual” trava.
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