É falso que embaixador da Hungria tenha dito que ‘recebeu Bolsonaro porque quis’

Miklós Halmai não se pronunciou publicamente sobre estada de Jair Bolsonaro na Embaixada húngara; publicações falsas nas redes sociais utilizam fotografia de março de 2020

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Foto do author Juliano  Galisi
Foto do author Karina Ferreira

O embaixador da Hungria no Brasil, Miklós Halmai, não disse que “recebeu Bolsonaro porque quis” e não sugeriu que os insatisfeitos com a hospedagem do ex-presidente brasileiro na Embaixada “reclamassem na ONU”. As declarações falsamente atribuídas ao diplomata ganharam repercussão nas redes sociais desde a noite de segunda-feira, 25, e utilizam uma fotografia antiga de Halmai como se o registro fosse de uma recente entrevista coletiva a jornalistas.

Imagens divulgadas pelo jornal americano The New York Times nesta segunda mostram que Bolsonaro se hospedou na Embaixada húngara entre os dias 12 e 14 de fevereiro. A estada ocorreu após o ex-presidente e aliados dele terem sido alvos da Operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 8 de fevereiro.

Após ter passaporte apreendido, Jair Bolsonaro foi recepcionado por diplomata húngaro e passou duas noites na Embaixada do país europeu Foto: NYT

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O espaço físico de uma embaixada é considerado território inviolável do país de origem. Ou seja, se a Justiça expedisse um mandado de prisão preventiva contra o ex-presidente, a decisão não poderia ser cumprida por ele estar em embaixada internacional.

Halmai aparece nas imagens divulgadas pelo NYT e foi convocado pelo Itamaraty para prestar esclarecimentos sobre o caso, mas não houve posicionamento público do diplomata húngaro desde então. As respostas atribuídas ao embaixador em postagens no X (antigo Twitter), como a reproduzida abaixo, são falsas.

A primeira publicação a citá-las foi feita por um perfil anônimo no X, às 21h10 de segunda-feira. O perfil não creditou a procedência da informação.

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As declarações repercutem de forma conjunta a uma imagem na qual o embaixador está diante de microfones, dando a entender que as falas foram emitidas durante uma entrevista coletiva de imprensa. Desde segunda-feira, quando foi publicada a reportagem no NYT, Miklos Halmai não falou publicamente, nem a jornalistas.

Imagem das publicações foi feita em Cabo Verde

A fotografia utilizada nas publicações falsas é de 6 de março de 2020, quando Halmai era embaixador da Hungria em Portugal. A Embaixada húngara em Lisboa, capital portuguesa, também representa a Hungria em Cabo Verde, na África. Na ocasião, Halmai participou de uma cerimônia com Jorge Carlos Fonseca, então presidente do país africano, na sede do governo.

Miklos Tamás Halmai, então embaixador da Hungria em Portugal, se encontrou com presidente de Cabo Verde, na África, em março de 2020 Foto: Presidência de Cabo Verde via Facebook

Em entrevista a jornalistas na ocasião, o diplomata detalhou os planos de parceria entre Hungria e Cabo Verde. O vídeo da coletiva de imprensa não está mais disponível na internet, mas outros elementos da fotografia permitem localizar a origem do registro.

Um dos microfones que aparece em frente a Halmai estampa a sigla “TCV”. Trata-se da abreviação utilizada pela emissora “Televisão de Cabo Verde”. A logomarca do microfone também coincide com a utilizada pelo canal de TV.

Logomarca da TCV (Televisão de Cabo Verde) está em microfone em frente ao diplomata húngaro na fotografia Foto: TCV

O paletó e o corte da barba do diplomata também correspondem com a publicação do perfil oficial da Presidência de Cabo Verde no Facebook.

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Miklós Tamás Halmai, então embaixador da Hungria em Portugal, se encontrou com presidente de Cabo Verde, na África, em março de 2020 Foto: Presidência de Cabo Verde via Facebook

Além disso, o azulejo atrás do embaixador na imagem é uma releitura da obra renascentista O Casamento em Caná (1563), do pintor italiano Paolo Veronese (1528 - 1588). O azulejo está listado no site oficial da presidência de Cabo Verde como um dos itens que integram o acervo artístico da sede do governo.

Azulejo que está atrás do embaixador húngaro em foto é releitura de obra renascentista e integra o acervo artístico do Palácio Presidencial de Cabo Verde Foto: Presidência de Cabo Verde

Hungria é presidida por aliado de Bolsonaro

A Hungria é comandada pelo premiê Viktor Orbán, um dos aliados da política externa da gestão de Jair Bolsonaro (PL). Orbán é dos principais expoentes da extrema direita na Europa e, assim como o ex-presidente brasileiro, construiu sua popularidade com declarações sobre pautas conservadoras e o questionamento do funcionamento de instituições democráticas.

Em nota, a defesa do ex-presidente confirmou que ele ficou hospedado na Embaixada, mas o motivo foi “manter contatos com autoridades do país” e atualizar os representantes húngaros sobre o “cenário político das duas nações”.

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