O embaixador da Hungria no Brasil, Miklós Halmai, não disse que “recebeu Bolsonaro porque quis” e não sugeriu que os insatisfeitos com a hospedagem do ex-presidente brasileiro na Embaixada “reclamassem na ONU”. As declarações falsamente atribuídas ao diplomata ganharam repercussão nas redes sociais desde a noite de segunda-feira, 25, e utilizam uma fotografia antiga de Halmai como se o registro fosse de uma recente entrevista coletiva a jornalistas.
Imagens divulgadas pelo jornal americano The New York Times nesta segunda mostram que Bolsonaro se hospedou na Embaixada húngara entre os dias 12 e 14 de fevereiro. A estada ocorreu após o ex-presidente e aliados dele terem sido alvos da Operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 8 de fevereiro.
O espaço físico de uma embaixada é considerado território inviolável do país de origem. Ou seja, se a Justiça expedisse um mandado de prisão preventiva contra o ex-presidente, a decisão não poderia ser cumprida por ele estar em embaixada internacional.
Halmai aparece nas imagens divulgadas pelo NYT e foi convocado pelo Itamaraty para prestar esclarecimentos sobre o caso, mas não houve posicionamento público do diplomata húngaro desde então. As respostas atribuídas ao embaixador em postagens no X (antigo Twitter), como a reproduzida abaixo, são falsas.
A primeira publicação a citá-las foi feita por um perfil anônimo no X, às 21h10 de segunda-feira. O perfil não creditou a procedência da informação.
As declarações repercutem de forma conjunta a uma imagem na qual o embaixador está diante de microfones, dando a entender que as falas foram emitidas durante uma entrevista coletiva de imprensa. Desde segunda-feira, quando foi publicada a reportagem no NYT, Miklos Halmai não falou publicamente, nem a jornalistas.
Imagem das publicações foi feita em Cabo Verde
A fotografia utilizada nas publicações falsas é de 6 de março de 2020, quando Halmai era embaixador da Hungria em Portugal. A Embaixada húngara em Lisboa, capital portuguesa, também representa a Hungria em Cabo Verde, na África. Na ocasião, Halmai participou de uma cerimônia com Jorge Carlos Fonseca, então presidente do país africano, na sede do governo.
Em entrevista a jornalistas na ocasião, o diplomata detalhou os planos de parceria entre Hungria e Cabo Verde. O vídeo da coletiva de imprensa não está mais disponível na internet, mas outros elementos da fotografia permitem localizar a origem do registro.
Um dos microfones que aparece em frente a Halmai estampa a sigla “TCV”. Trata-se da abreviação utilizada pela emissora “Televisão de Cabo Verde”. A logomarca do microfone também coincide com a utilizada pelo canal de TV.
O paletó e o corte da barba do diplomata também correspondem com a publicação do perfil oficial da Presidência de Cabo Verde no Facebook.
Além disso, o azulejo atrás do embaixador na imagem é uma releitura da obra renascentista O Casamento em Caná (1563), do pintor italiano Paolo Veronese (1528 - 1588). O azulejo está listado no site oficial da presidência de Cabo Verde como um dos itens que integram o acervo artístico da sede do governo.
Hungria é presidida por aliado de Bolsonaro
A Hungria é comandada pelo premiê Viktor Orbán, um dos aliados da política externa da gestão de Jair Bolsonaro (PL). Orbán é dos principais expoentes da extrema direita na Europa e, assim como o ex-presidente brasileiro, construiu sua popularidade com declarações sobre pautas conservadoras e o questionamento do funcionamento de instituições democráticas.
Em nota, a defesa do ex-presidente confirmou que ele ficou hospedado na Embaixada, mas o motivo foi “manter contatos com autoridades do país” e atualizar os representantes húngaros sobre o “cenário político das duas nações”.
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