Família Dino está no poder desde o Império e tetravô ajudou Pedro II contra rebelião; leia perfil

História do clã do ministro da Justiça indicado para o Supremo Tribunal Federal é contada numa dissertação de mestrado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

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Foto do author André Shalders
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BRASÍLIA - Indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino, é representante de uma linhagem que ocupa postos de poder desde os tempos do Império (1822-1889). A ascensão do clã começou com seu tetravô, Francisco Manuel Antônio Monteiro Tapajós, o “Herói de Tapajós”, que ajudou o então imperador Dom Pedro II a esmagar militarmente a Cabanagem, um levante popular de negros, indígenas e mestiços na Amazônia. O pai de Dino foi deputado estadual e o avô, desembargador – numa época em que os cargos no Judiciário se davam por indicação.

O Ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado para a vaga no STF, fala após encontro com o presidente em exercicio do Senado, Veneziano Vital do Rego Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

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As informações sobre a genealogia de Flávio Dino foram levantadas por uma dissertação de mestrado em Ciências Sociais apresentada à Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em 2007. O trabalho chama-se “A Tradição Engajada: origens, redes e recursos eleitorais no percurso de um agente”, do advogado José Barros Filho. Flávio Dino formou-se em Direito na mesma universidade em 1986 e foi coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Fez mestrado em Direito na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e passou em 1º lugar no concurso para juiz federal em 1994, aos 26 anos.

“Nicolau Dino (o avô de Flávio Dino) descende de uma tradicional família ‘amazonense’, a família Tapajós”, diz um trecho da dissertação. A linhagem começa com Francisco Tapajós (1815-1877), tetravô de Flávio Dino. Francisco “tornou-se um próspero proprietário de terras às margens do Rio Tapajós, na então província do Grão-Pará. Colaborou com o governo provincial no combate à ‘Revolta dos Cabanos’ (a Cabanagem) e, em sinal de gratidão pelos serviços prestados, foi proclamado pelo Imperador D. Pedro II ‘Herói de Tapajós’”.

A dissertação destaca que, além de coronel-Comandante da Guarda Nacional, Francisco Tapajós enveredou pela política. Foi deputado provincial em 1874, ocupando a presidência da Assembleia Provincial do Grão-Pará”, diz a dissertação. Tapajós foi também empresário, tendo sido dono de uma grande olaria – que usava inclusive trabalho forçado de indígenas, segundo o artigo “Mundos cruzados: etnia, trabalho e cidadania na Amazônia Imperial”, apresentado em 2009 por Patrícia Melo Sampaio.

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O trabalho dos indígenas beneficiou “inúmeras vezes” o deputado “Francisco Antônio Monteiro Tapajós que contava também com o beneplácito de seus colegas de Assembleia para aprovar créditos, às custas dos cofres provinciais com juros e prazos amigáveis, para instalação de seus estabelecimentos industriais, entre eles, uma olaria destinada a fabricar tijolos e telhas para abastecer as obras públicas”, diz um trecho do artigo.

Uma das filhas dele, Heloisa Clementina, casou-se com outro político, Nicolau Castro e Costa – este foi “deputado da Assembleia Provincial do Amazonas em 1874″, numa época em que o voto era censitário, isto é, restrito aos proprietários de terras. É daí que vem o ramo de Flávio Dino da família, e o político maranhense carrega hoje o sobrenome do trisavô (Castro e Costa), mas não o Tapajós. Desde Francisco Antônio Monteiro Tapajós até Flávio Dino, são cinco gerações de pessoas destacadas na política e na Justiça.

“A família dele (Dino) é uma família importante do Maranhão, uma genealogia muito bem estruturada no Maranhão e no Amazonas, há várias gerações, desde o período imperial. É exatamente o mesmo padrão (...) da composição do poder no Brasil. Dino segue este mesmo modelo sociológico, da classe dominante. Famílias políticas com parlamentares e redes de parentesco (...) no sistema judicial, nas Forças Armadas, na intelectualidade”, afirma o sociólogo Ricardo Costa de Oliveira, que é professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e estudioso das famílias políticas. “Dino segue aquilo que a gente chama de CDT: a Classe Dominante Tradicional.”

Nicolau Dino, o avô desembargador, era estudioso. Publicou teses de Direito e pelo menos um livro, além de ter sido sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Também fez parte da Academia Maranhense de Letras Jurídicas (AMLJ) – ele é o patrono da cadeira de número 40, hoje ocupada pelo próprio Flávio Dino. O avô era “pessoa sempre muito estudiosa (...). Eu lembro, quando eu era criança, ele tinha muitos livros. Essa é uma imagem que marca muito. Lia muito Rui Barbosa, ele produzia teses também, artigos, textos, enfim, defendia teses jurídicas inovadoras”, disse Dino numa entrevista à dissertação de mestrado de José Barros Filho.

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Flávio Dino herdou do pai, Sálvio, a inclinação política à esquerda. Advogado criminalista, Sálvio foi deputado estadual no Maranhão pelo Partido Democrata Cristão (PDC) e teve os direitos políticos cassados em 1964 após o golpe militar, sendo acusado do “exercício de atividades comunistas”. Chegou a ser preso, e sua sorte só melhorou quando o ex-presidente José Sarney (MDB) foi eleito governador do Maranhão, em 1966. Sálvio integrava o mesmo grupo político de Sarney e trabalhou no governo dele, na Secretaria da Fazenda. Décadas depois, caberia a Dino interromper a sequência de governos ligados aos Sarneys no Estado.

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