SÃO PAULO — O Ministério Público Eleitoral (MPE) entrou com ações na Justiça para pedir inelegibilidade por oito anos de candidatas e presidentes de partidos que teriam fraudado a cota de gênero na disputa eleitoral deste ano em uma cidade da Grande São Paulo e três no interior paulista. Há ainda pedido de cassação da chapa de vereadores apresentada pelas legendas no pleito, o que atinge candidatos eleitos. Até o momento, a promotoria encontrou sete candidaturas classificadas como “fictícias”.
De acordo com as iniciais apresentadas à Justiça pelos promotores, os partidos teriam solicitado a participação de mulheres no pleito municipal deste ano apenas com intuito de cumprir a cota de gênero (30% de candidatas, no mínimo, e 70% de candidatos, no máximo).
Das sete candidatas, duas não tiveram nenhum voto, enquanto outra teve apenas um. De acordo com o MP, as candidatas não fizeram campanha e tiveram um doador de recurso para disputa eleitoral — o próprio partido.
O Estadão tentou contato com todos os citados e o espaço está aberto para manifestação. Os que responderam disseram que apresentaram defesa e negaram irregularidades.
O caso que mais chama atenção ocorreu em Estrela do Norte, cidade a 595 km da capital paulista, que fica próxima a Presidente Prudente. Duas candidatas do PRD prestaram depoimento em inquérito do MPE e não sabiam os próprios números de urna, quando questionadas.
Stefânia Amâncio da Silva e Tania Castro do Nascimento, segundo registros da Justiça Eleitoral, não tiveram sequer os próprios votos. “Stefânia declarou que votou em branco, enquanto Tânia declarou que votou em outro candidato”, diz trecho da inicial assinada pelo promotor Yago Lage Belchior. Ao Estadão, Stefânia disse, por mensagem, não ter conhecido da ação na Justiça Eleitoral. Posteriormente, apagou as mensagens. Tania não respondeu WhatsApp e, em ligação, afirmou que poderia falar posteriormente, mas não atendeu.
A candidata Stefânia disse ao MP que, em 2023, estava na casa da sogra do ex-prefeito do município Hélio Lima, quando o político pediu para ela trocar de partido e ser candidata a vereadora para ajudar o partido “completando a legenda”. O ex-prefeito não atendeu as ligações do Estadão e não respondeu as mensagens enviadas pela reportagem.
Apontada como candidata “laranja”, ela afirmou também em depoimento que mora com a mãe de 53 anos, que não sabia que a filha estava na disputa por uma vaga na Câmara de Estrela do Norte, “de modo que não votou na própria filha”, registrou o MP.
Já Tânia afirmou em depoimento que pediu para suas filhas não votarem na mãe por não haver necessidade. Ela afirmou ainda que 13 dias antes do pleito procurou o ex-prefeito Hélio Lima para desistir da candidatura, mas ele teria dito que já não era mais possível.
Outras duas ações tramitam na Justiça Eleitoral a pedido do Ministério Público em Francisco Morato, a 48 km da capital paulista, e envolvem dois partidos: Solidariedade e PP.
No caso do PP, a promotora Belisa Barbosa Morales afirmou na inicial ter sido possível concluir que ocorreu fraude com a documentação apresentada. “A candidata Cândida Cecília teve votação inexpressiva na eleição de 2024, não teve nem um único doador para sua campanha, não fez nenhum gasto para sua campanha, nem para impressão de santinhos e material gráfico. A candidata não promoveu qualquer ato efetivo de campanha, sequer em redes sociais”, disse a promotora na inicial.
De acordo com dados da Justiça Eleitoral, a candidata Cândida Cecília obteve apenas um voto na eleição deste ano — o menor número entre os postulantes ao cargo de vereador na cidade. De acordo com a promotora, a candidatura de Cândida Cecília era indispensável para a chapa, porque o partido “apresentou o percentual de gênero 66,67% masculino e 33,33% feminino”. Sem Cândida Cecília, a chapa de vereadores não poderia concorrer ao pleito por desrespeitar a cota de gênero. O Estadão não conseguiu contato com Cândida Cecília. O espaço está aberto para manifestação.
O MP Eleitoral pediu a inelegibilidade de Cândida Cecília e do presidente da legenda local, Gilberto Borba de Miranda, pelo prazo de oito anos. Procurado, Miranda disse que a candidata fez campanha normalmente e não ocorreram irregularidades. As defesas serão apresentadas no momento oportuno. De acordo com dados da Justiça Eleitoral, eles não foram notificados ainda da tramitação da ação.
Ainda em Francisco Morato, duas candidatas do Solidariedade são alvos do MP Eleitoral. Maria das Graças Amaro e Patrícia Fernandes tiveram, respectivamente, 8 e 10 votos.
A promotora Belisa Barbosa Morales aponta que as duas candidatas receberam quase R$ 5 mil do próprio partido para campanha eleitoral. No entanto, não apresentaram recibos de gastos de campanha.
“Observa-se do extrato do site ‘DivulgaCand’ que ambas as candidatas obtiveram doação do partido Solidariedade no montante de R$ 4.756,35. No entanto, não fizeram um único gasto com sua campanha política. Além disso, as candidatas não informaram nenhum site ou redes sociais para divulgação de sua candidatura. Ao consultar as redes sociais das candidatas, não há menção à sua candidatura em nenhuma postagem. Ou seja, nenhum ato efetivo de campanha foi promovido”, registrou a promotora, que pede inelegibilidade das candidatas e da presidente da legenda, Selma Coelho.
Procurada, Maria das Graças disse não ter conhecimento da ação, mas afirma que apresentará defesa porque fez campanha no último pleito. Selma disse que vai se inteirar do assunto, porque também não tem conhecimento da ação. O Estadão não conseguiu falar com Patrícia. O espaço está aberto.
‘Me chamaram porque estava faltando mulher’, diz candidata em depoimento
Em Cananéia, a 280 km de São Paulo, uma candidata do Podemos pode ficar inelegível por oito anos por ter se candidatado apenas para cumprir os 30% de mulheres na chapa de vereadores do município. De acordo com inicial assinada pela promotora Danielle Castanheira de Oliveira.
A candidata Suelen Cristina Bernardo afirmou ao MP Eleitoral ter sido candidata por falta de mulheres na chapa. “Eles me chamaram porque estava faltando uma mulher e eu aceitei. Inclusive, eu estava gestante na época. Aí eu aceitei só, tipo, por aceitar, por ajudar, porque o candidato que eu estava, ele era advogado e ele ajudou meu esposo em questão de advogado, sabe? Aí eu peguei e sai (candidata), tipo pra dar uma ajuda pra ele. Mas saber todas as coisas, assim de presidente do partido, esses negócios, eles não me passavam”, afirmou. O Estadão não conseguiu contato com Suelen. O espaço está aberto.
Ela obteve três votos no pleito. De acordo com o MP, a candidata tem a mãe e oito irmãos e tias na cidade. “É de se verificar que, se votasse em si própria, contasse com o voto do marido, da mãe e de qualquer um dos irmãos ou tias que possui na cidade, já superaria o montante atingido na eleição. Isso se sua candidatura não tivesse funcionado tão somente para burlar a cota mínima para a presença das mulheres no pleito eleitoral”, registrou a promotora.
Em depoimento, Suelen afirmou que foi candidata por insistência do “doutor André”. Para o Ministério Público, trata-se de André Sanches (União Brasil), que foi eleito prefeito da cidade na eleição deste ano. “O representado André, como dito anteriormente, concorreu para a prática do ato ilegal porque foi a pessoa diretamente responsável por cooptar a candidata fictícia, estando sujeito à sanção de inelegibilidade por não ser candidato à vereança pelo Drap”, registrou a promotora. O Estadão ligou e mandou mensagem para o escritório do prefeito eleito, que não retornou até o momento.
Em Tanabi, a 490 km da capital paulista, o Ministério Público Eleitoral também quer a inelegibilidade da então candidata Rosane Maria Ferreira da Silva (União Brasil), que obteve quatro votos no pleito. A punição inclui o presidente do partido no município, Samuel Garcia Salomão. O Estadão não conseguiu contato com Rosane. Já Samuel foi procurado por e-mail, mas não respondeu até o momento.
De acordo com o documento enviado à Justiça Eleitoral, a candidata não apresentou gastos de campanha e também não recebeu doação financeira. “Todavia, a candidata fictícia, quando ouvida nesta promotoria de Justiça, embora tenha afirmado não ter recebido nenhuma doação, em dinheiro ou estimável em dinheiro, disse que teria recebido material de campanha no início da campanha pelo partido político, dentre eles ‘santinhos’, o que não corresponde a verdade, já que tal despesa não foi contabilizada em sua prestação de contas”, registrou a promotora Patricia Dosualdo Pelozo.
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