BRASÍLIA - O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo disse que o escândalo da compra de caminhões de lixo a preços superfaturados, revelado pelo Estadão, é parte da “velha política”, e que pode custar a reeleição de Jair Bolsonaro, ao afastar eleitores que votaram no capitão reformado do Exército acreditando no fim de práticas corruptas. Araújo, que deixou o governo em março de 2021, também afirmou que os brasileiros não aceitam mais “Ciros Nogueiras comandando a política, distribuindo cargos e direcionando o Orçamento”.
Na segunda-feira, 23, o Estadão mostrou como uma emenda do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, foi usada para comprar um caminhão de lixo da empresa de uma amiga dele.
“Em 2018, ao elegerem Jair Bolsonaro, os brasileiros disseram que não aceitavam mais Ciros Nogueiras comandando a política, distribuindo cargos e direcionando o Orçamento. Em 2022 vemos justamente Ciro Nogueira e seus amigos comandando a política, distribuindo cargos e direcionando o Orçamento, da maneira que sempre fizeram, como a investigação do Estadão está mostrando”, disse Araújo à reportagem, por mensagem de texto. “Isso é muito triste para todos os que acreditamos e nos dedicamos a um grande projeto de regeneração nacional.”
Além de Ernesto Araújo, outros integrantes da antiga “ala ideológica” do governo de Jair Bolsonaro também criticaram o envolvimento de Ciro Nogueira no esquema dos caminhões – a explosão na compra de caminhões de lixo por parte do governo coincide com a entrada de políticos do Centrão no primeiro escalão da administração federal, e com a perda de poder de ex-ministros ligados à militância de direita de Bolsonaro. Após analisar milhares de documentos, a reportagem do Estadão encontrou indícios de superfaturamento em editais que somam ao menos R$ 109,3 milhões.
No Twitter, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub disse, em tom de ironia, não acreditar que Ciro Nogueira esteja envolvido com o escândalo dos caminhões de lixo. “Os valores mencionados são ‘modestos’. Acho que o ministro Ciro Nogueira é muito maior que isso”, disse Weintraub, que é pré-candidato ao governo de São Paulo pelo Brasil 35 (antigo Partido da Mulher Brasileira, PMB).
Para Ernesto Araújo, o escândalo, que ficou conhecido como “Bolsolão do Lixo” nas redes sociais, afasta eleitores de Bolsonaro. “O pior é que, se o presidente Bolsonaro sacrificou o projeto original em nome da reeleição, aliando-se à velha política, agora essa aliança pode arrastá-lo para a derrota eleitoral, pois escândalos como esse dos caminhões de lixo vão afastar ainda mais eleitores. Pessoalmente, espero que o presidente enxergue que o caminho para a reeleição passa por repudiar o Centrão e reassumir seu compromisso original de mudar o Brasil”, disse ele.
Reportagem do Estadão mostrou como o ministro da Casa Civil direcionou dinheiro de uma emenda parlamentar dele para a compra de um caminhão de lixo fornecido pela empresa de uma amiga pessoal. Carla Morgana Denardin é uma das proprietárias do grupo automotivo Mônaco, que venceu licitações para a compra de caminhões da Codevasf do Piauí – o órgão é comandado por Inaldo Guerra, indicado de Ciro Nogueira. Depois, o município de Brasileira (PI) aderiu à ata da Codevasf e usou uma emenda de R$ 240 mil do ministro para comprar um caminhão compactador de lixo.
Nas redes caso virou Bolsolão do lixo
O Estadão mostrou ainda que parte das licitações com indícios de sobrepreço foi vencida por empresas com indícios de serem de fachada ou controladas por laranjas. É o caso de duas microempresas sediadas em Goiânia: a Fibra Distribuição e Logística Eireli e a Globalcenter Mercantil Eireli. Esta última é sediada em uma casa abandonada e tomada pelo mato na periferia da capital de Goiás. Já a Fibra Distribuição pertence, pelo menos no papel, a um dono que recebeu auxílio emergencial do governo federal durante a pandemia.
Juntas, as duas somam mais de R$ 20 milhões em caminhões de lixo licitados para o governo. Parte da verba para os veículos chegou às empresas por meio de emendas do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que admitiu ao Estadão ter pressionado pela entrega das máquinas. O caso foi revelado em reportagem desta terça-feira, dia 24.
Procurado, o ministro Ciro Nogueira não tem se manifestado sobre a compra de caminhões.
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