O ano de 2018 não acabou - talvez demore anos para acabar -, pelo menos para a Operação Lava Jato, a ruidosa investigação criminal iniciada em Curitiba, que revelou o maior escândalo de corrupção da República. São até aqui 215 condenações contra 140 pessoas, num total de 2 mil anos de pena de prisão somados e R$ 40 bilhões de ressarcimento aos cofres públicos processados. Iniciada em 2014, o ano que se encerrou ontem não terá fim: marca a prisão de Lula e a saída do juiz Sérgio Moro do cargo, dois episódios ainda inconclusos da história.
Lula, considerado o principal líder político do esquema de corrupção sistematizado na Petrobrás e outras áreas dos governos do PT (2003 a 2016), passou a virada de ano na cadeia. Na cela especial que Moro mandou montar para o ex-presidente, na sede da Polícia Federal em Curitiba, onde tudo começou, cinco anos atrás.
Em 2014, quando a primeira fase da Lava Jato foi deflagrada - são até aqui 57 fases -, o PT comandava a República e a ex-presidente Dilma Rousseff se preparava para a reeleição. Ninguém esperava que as investigações da chamada "força-tarefa" - que reunia investigadores da Polícia Federal, Ministério Público Federal e Receita Federal - chegariam tão longe.
Condenado pela primeira na Lava Jato em julho de 2017, Lula foi sentenciado por Moro - eleito seu maior algoz ao lado dos procuradores da força-tarefa e o "power point" usado por eles para explicar à imprensa a denúncia criminal contra o ex-presidente. A pena no caso triplex do Guarujá, que ocultou mais de R$ 1 milhão de propinas da OAS, foi de 9 anos e 6 meses de prisão.
Mas foi em 2018 que a condenação de Lula saiu. Era 24 de janeiro. Em Porto Alegre (RS), o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) - a segunda instância de Curitiba - julgou a apelação dos condenados para rever a sentença de Moro. Por unanimidade, os três desembargadores do Tribunal da Lava Jato aumentaram a pena para 12 anos e um mês de prisão. E decretou a ordem de que a pena fosse executada provisoriamente à partir do fim dos recursos de embargos na corte. A prisão sairia em questão de poucos meses.
Depois de inúmeros recursos à Justiça e aos tribunais superiores e até mesmo a organismos internacionais, saiu a ordem de recolhimento de Lula. Era 5 de abril e Moro mandou a PF prender Lula, atendendo determinação dos desembargadores do Tribunal da Lava Jato. No histórico ato de resistência, o ex-presidente se refugiou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campos (SP), o berço do PT. A prisão ocorreria dois dias depois, na noite de sábado, dia 7, com o ex-presidente chegando no helicóptero da PF em Curitiba, para o cárcere.
O ano de 2019 trará novos problemas para Lula, investigados em outros casos. Duas ações penais estão em fase final e serão julgadas ainda no primeiro semestre: a dos R$ 12 milhões em propinas da Odebrecht na compra de um terreno para o Instituto Lula e um apartamento para a família do ex-presidente, e a das obras da Odebrecht e OAS no sítio de Atibaia (SP) - que a força-tarefa diz ser do petista. São duas possíveis novas condenações no horizonte.
Os filhos de Lula e seus sócios e negócios também podem ser alvo de acusações nesse ano. Investigações iniciadas em 2015 tomaram corpo e podem virar denúncia na Justiça.
A ex-presidente Dilma Rousseff, sucessora de Lula na Presidência sob seu comando, também deve virar alvo da Lava Jato em 2019. Sem mais direito a foro privilegiado, as suspeitas de participação no esquema de corrupção no governo durante sua gestão se aprofundam na Petrobrás e em outros setores, como na área de energia.
Sem Moro à frente da 13.ª Vara Federal, onde nasceu a Lava Jato em Curitiba, as investigações continuam sob o comando da juíza Gabriela Hardt - que mostrou pulso firme nas primeiras decisões à frente do caso em novembro e dezembro. Será ela que julgará pelo menos uma das ações penais contra Lula ainda em aberto.
Com Hardt também estão as investigações decorrentes da delação premiada de Antônio Palocci. O ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma forneceu dados de corrupção em cinco frentes de investigação na Lava Jato em Curitiba, uma delas sobre os bilionários negócios navais para exploração do pré-sal. Outra, a dos acertos e desvios na construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Moro fora da Lava Jato é visto como uma perda por investigadores. Mas Moro fora da Lava Jato e dentro do governo Jair Bolsonaro (PSL) como ministro da Justiça e Segurança Pública é reforço, avaliam. Depois de quatro anos nas ruas, a operação vivia um desgaste natural, depois de tantos ataques. Com o juiz do caso no Executivo e uma equipe formada por membros da "República de Curitiba", o quadro esperado é outro.
A Lava Jato, em 2018, deixou de ser Curitiba. Moro promete replicar no País o "modelo Lava Jato". A capital do Paraná e escândalo Petrobrás viraram a origem do desmonte de um sistêmico esquema de corrupção instalado na mais rica estatal brasileira, fruto de uma associação espúria entre políticos, empresários, agentes públicos e operadores financeiros da mais variada espécie (doleiros, lobistas, corretores, advogados).
Mas a Lava Jato do Rio de Janeiro consolidou-se no ano que passou como a frente mais pulsante da operação, tendo conseguido o fato inédito de prisão de um governador em exercício. Luiz Fernando Pezão (MDB) foi levado para a cadeia no final de novembro. Em São Paulo, a força-tarefa da Lava Jato criada em 2017 faz denúncias importantes, como a feita contra o ex-presidente Lula, acusado de usar sua influência para beneficar empresa estrangeira.
No QG da força-tarefa em Curitiba, 2018 iniciou-se tomado por um temor: a de que as eleições resultariam em uma corrida no Congresso e no Executivo para aprovação de medidas legais para frear os avanços da Lava Jato e da onda de combate desencadeado por ela. As urnas deram uma resposta à quem pretendia buscar o salvo conduto de dentro do governo e do legislativo. Trocou metade das cabeças o Congresso e elegeu o candidato a presidente mais comprometido com a agenda anticrimes.
2019 começa, mas 2018 ainda não acabou!
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