O infiel não tem direito à pensão alimentícia

PUBLICIDADE

Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Atualização:
Regina Beatriz Tavares da Silva. CRÉDITO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento recente, de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, reconheceu a tese que defendo de que a traição no casamento e na união estável é descumprimento de dever conjugal que acarreta a aplicação de sanções ao infiel (Agravo em Recurso Especial n. 1.269.166 - SP - SP).

PUBLICIDADE

Defendo essa tese desde a década de 1990, quando a apresentei na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, intitulada "Reparação Civil na Separação e no Divórcio" (Saraiva, 1999), em que demonstrei a legalidade da aplicação de sanções a quem descumpre dever conjugal, quais sejam, a perda do direito à pensão alimentícia e a sua condenação no pagamento de indenização ao consorte vitimado, o que não é bis in idem, porque suas naturezas são diferentes: pela primeira, o infiel perde o direito de receber a assistência material que tinha durante o casamento, pela segunda, o traidor é condenado a pagar uma indenização pelos danos morais e materiais que ocasionou ao traído.

Após a Emenda Constitucional (EC) do Divórcio, de n. 66/2010, houve um movimento discrepante das regras de interpretação do ordenamento legal, em prol da eliminação da sanção da perda do direito à pensão alimentícia pelo infiel. Essa interpretação equivocada não advinha de mero erro, mas, sim, era feita dolosamente, no sentido de tornar o casamento um "nada" jurídico, sem deveres, porque dever sem sanção não é dever jurídico, é mera recomendação ou faculdade. Queriam que apenas fosse facultada a fidelidade e quem fosse infiel não perderia a pensão alimentícia, não teria essa sanção jurídica.

Para chegar a esse torpe objetivo, diziam que teria sido extinto o instituto da separação judicial, sabendo-se que é nesse instituto que o Código Civil prevê a perda da pensão alimentícia por quem descumpre dever conjugal. Se estivesse extinto esse instituto, estariam suprimidas todas as normas a ele concernentes.

Logo após a EC 66/2010, em combate a essa desastrosa ideia, escrevi o livro "Emenda Constitucional do Divórcio" (São Paulo: Saraiva, 2011, republicado com o título "Divórcio e Separação após a EC 66/2010", em 2012, 2.ª ed.) para demonstrar as incongruências daquele pensamento e também que, além do instituto da separação ter continuado presente em nosso ordenamento legal e, portanto, todas as normas legais respectivas, o pedido exoneratório poderia ser feito ao lado do pedido de divórcio.

Publicidade

E, agora, um dos processos em que se debatia o tema, chegou ao STJ.

A infidelidade é comportamento indigno e quem é infiel, mesmo sendo dependente do marido ou da esposa, não tem direito à pensão alimentícia, a infidelidade ofende a auto estima do consorte traído e também a sua reputação social, ou seja, sua honra.

Quem defende a manutenção do direito do consorte infiel à pensão alimentícia tentando basear-se no princípio da dignidade da pessoa humana, vai contra esse princípio constitucional, porque a dignidade não é forjada por conceitos individuais, mas, sim, pelo conceito social: quem poderia considerar uma esposa ou um marido infiel como digno? Se não é digno, é absurdo querer fundamentar na dignidade o recebimento de pensão alimentícia.

Foi travada uma luta nos Tribunais e na Academia, especialmente após 2010, com a Emenda do Divórcio, pela qual foi facilitada a dissolução do casamento, que passou a poder ser dissolvido sem prévia separação de fato por dois anos ou separação judicial por um ano. Algo de tão simples interpretação, foi desvirtuado por quem pretendia retirar a fidelidade do casamento, ou seja, por quem queria a liberdade incontida na relação conjugal, por quem desejava que no casamento somente existissem direitos, como o da pensão alimentícia, sem os correspondentes deveres, como a fidelidade.

Como constou do acórdão do TJSP, de relatoria do Desembargador Carlos Alberto Garbi, que foi atacado no recurso julgado pelo STJ, que manteve o julgado do TJSP, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti: "A infidelidade ofende a dignidade do outro cônjuge porquanto o comportamento do infiel provoca a ruptura do elo firmado entre o casal ao tempo do início do compromisso, rompendo o vínculo de confiança e de segurança estabelecido pela relação afetiva. A infidelidade ofende diretamente a honra subjetiva do cônjuge e as consequências se perpetuam no tempo, porquanto os sentimentos negativos que povoam a mente do inocente não desaparecem com o término da relação conjugal. Tampouco se pode olvidar que a infidelidade conjugal causa ofensa à honra objetiva do inocente, que passa a ter sua vida social marcada pela mácula que lhe foi imposta pelo outro consorte.... Indignidade reconhecida. Cessação da obrigação alimentar declarada. Procedência do pedido".

Publicidade

Como consta da decisão do STJ, a norma legal que fundamenta a exoneração do dever alimentar do marido diante de infidelidade, ainda que somente virtual, da esposa, está no parágrafo único do artigo 1.708 do Código Civil: "Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor".

A luta valeu! Agora está coroada pelo STJ, que, inobstante tenha proferido decisão monocrática de inadmissibilidade de recurso especial, posicionou-se no sentido de que o comportamento indigno por infidelidade dá causa à perda da pensão alimentícia.

*Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.