Jair Bolsonaro foi declarado inelegível por oito anos pelo TSE, porque cinco dos sete ministros da Corte Eleitoral decidiram aplicar a lei contra o ex-presidente, em vez de recorrer a manobras jurídicas para aliviar sua barra, como costuma fazer o STF em casos de corrupção, lavagem de dinheiro e peculato, incluindo aí as “rachadinhas”.
É estranho ver a lei sendo aplicada por um tribunal superior no Brasil? É, sim. Mas é melhor abrir precedente para a punição prevista em lei, o que eleva o sarrafo da moralidade pública, que para a blindagem, o que rebaixa o sarrafo.
No caso de Bolsonaro, a legislação é cristalina. O artigo 14 da Constituição Federal diz que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Seu parágrafo 9.º determina que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Ou seja: a Constituição atribui à lei complementar a proteção da legitimidade das eleições contra o abuso do exercício de função na administração pública, a ser punido com inelegibilidade. E a lei complementar número 64, de 1990, prevê em seu artigo 22 “abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”. O inciso 16 é ainda mais direto: “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
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A ministra Cármen Lúcia votou pela procedência do pedido do PDT nos termos do voto do relator Benedito Gonçalves para aplicar a sanção prevista no inciso 16 do artigo 22, porque Bolsonaro abusou do poder de presidente da República ao usar o Palácio da Alvorada e os meios de comunicações oficiais para atacar a legitimidade das eleições, fazer discurso autopromocional de candidato e desqualificar seu adversário no pleito. Tudo já devidamente esmiuçado, com análise específica das falas do então presidente, pelo ministro Floriano de Azevedo Marques, no voto mais didático do julgamento.
Alexandre de Moraes, como esperado, também acompanhou o relator, enquanto Kassio Nunes Marques, em vez de pedir vista, deu o segundo voto a favor de Bolsonaro.
Com o placar final de 5 a 2, o TSE cumpriu a lei e, ao contrário da “perseguição da direita” alegada por bolsonaristas, na prática libertou a direita de Bolsonaro, abrindo caminho para o surgimento de alternativas eleitorais decentes no campo antipetista. O maior vexame de todos é que a direita não tenha feito essa depuração sozinha.
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