A Justiça do Trabalho anulou a eleição para presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) que elegeria para o posto Tirso Meirelles, filho do atual presidente da entidade, Fábio Meirelles, no cargo há 48 anos. Tirso concorreria como único candidato na eleição que estava marcada para o próximo dia 4 de dezembro.
A decisão ocorreu após ação do fazendeiro Paulo Junqueira, que tem o apoio de aliados do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Ele tentou registrar uma chapa de oposição, mas não conseguiu. A direção da Faesp argumentou que Junqueira não apresentou todos os documentos necessários para o registro.
Advogado de Junqueira, Ernani Calháo considerou que a decisão foi técnica. “A juíza não tinha outro caminho a não ser anular o processo eleitoral e começar de novo”, disse ele, afirmando que faltou “lisura” e “publicidade” ao pleito. Já a advogada da Faesp, Angela Gandra Martins, gravou um vídeo para os sindicatos filiados e informou que vai recorrer da decisão. “Esperamos efetivamente que o que foi reconhecido na primeira sentença, que esses documentos realmente não forem entregues tempestivamente [dentro do prazo], seja confirmado e nossas eleições se realizem dentro da paz que esperamos”, disse ela.
A juíza do trabalho, Marcia Ishirugi, atendeu ao pedido de Junqueira, determinou a publicação de um novo edital convocando novas eleições para, no máximo, 3 de janeiro de 2024. A magistrada considerou que, ao contrário do que prevê o estatuto da entidade, a Faesp não ficou aberta por 8 horas diárias durante os cinco dias em que as candidaturas poderiam ser registradas. Houve fechamento durante o sábado e o domingo.
“A quantidade de membros na chapa (50 pessoas) e o fato de pertencerem a Municípios diversos justifica a existência de possíveis dúvidas e a necessidade de a entidade permanecer aberta durante todo o prazo previsto em seu Estatuto, o qual, diga-se, já é bastante exíguo”, escreveu ela.
Conforme mostrou o Estadão no último dia 23, a preferência por Junqueira dentro do governo Tarcísio se dá não apenas pela proximidade com o empresário, que foi doador de campanha do governador em 2022, mas também pelos desentendimentos de integrantes da gestão com o adversário dele, Tirso Meirelles, atual vice-presidente da Faesp, que ocupava o comando do Sebrae-SP durante a transição.
Na época, Tirso barrou a tentativa do governo de nomear Guilherme Campos (PSD-SP) na superintendência do órgão, tendo atuado para sustentar Marco Vinholi. No fim, nenhum dos dois ficou com a função e, agora, integrantes do governo querem dar o troco (veja abaixo).
Junqueira acusa seu adversário na disputa, Tirso Meirelles, de instrumentalizar o poder que detém na vice-presidência da entidade para inviabilizar uma chapa de oposição. Tirso é filho do presidente da organização, Fábio Meirelles, um produtor rural de 96 anos, dos quais metade, 48 anos, passou no cargo. A diretora jurídica da Faesp, Angela Gandra Martins, rebate a versão e garante que a comissão eleitoral tem independência. Segundo ela, Junqueira não foi capaz de cumprir os ritos exigidos no estatuto da organização e agora tenta desmoralizar os Meirelles.
Faesp reúne mais de 200 sindicatos espalhados pelo Estado
O imbróglio não se dá ao acaso. A Faesp mantém sob seu guarda-chuva 235 sindicatos rurais patronais distribuídos pelos 645 municípios paulistas. Também é acionista da Agrishow, principal feira do setor no País e que gerou R$ 13,29 bilhões em negócios na última edição, realizada em maio deste ano.
A organização ostenta um orçamento anual de aproximadamente R$ 60 milhões, acumulados mediante parcelas de contribuições sindicais, parcerias com governos e empresas e repasses do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), do sistema S, para oferecer cursos para produtores do campo.
O naufrágio inicial de sua chapa na disputa pela Faesp, agora revertido, frustrou aliados do governador Tarcísio de Freitas. O deputado estadual Lucas Bove (PL-SP) destacou o advogado Ygor Lucas Gomes da Costa, lotado como assessor em seu gabinete, para acompanhar o processo. Produtor rural, o parlamentar representa o agronegócio na Assembleia Legislativa e também recebeu contribuição financeira de Junqueira em sua campanha. Parte do secretariado de Tarcísio também não esconde a preferência por Junqueira.
Embate com o governo começou ainda na época do Sebrae
A preferência de aliados de Tarcísio por Paulo Junqueira se explica também por outro embate. O grupo do governador já havia entrado em rota de colisão com Tirso Meirelles ainda no período da transição de governo, quando este ocupava a presidência do Sebrae-SP. Na época, Guilherme Afif Domingos, atual secretário especial de Projetos Estratégicos de São Paulo, tentou emplacar o ex-deputado federal Guilherme Campos (PSD-SP) na superintendência do órgão.
Tirso e um grupo de tucanos fizeram pressão para manter Marco Vinholi no cargo. Diante do impasse, uma solução intermediária foi adotada. Nelson Hervey Costa assumiu a superintendência e Vinholi passou para o posto de diretor técnico.
Paulo Junqueira é presidente do Sindicato Rural e da Associação Rural de Ribeirão Preto e foi um dos doadores das campanhas de Tarcísio e também do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022. Ele doou R$ 160 mil para um e R$ 106 mil para o outro. Sua casa de quatro suítes em Orlando, na Flórida, abrigou o ex-presidente durante parte do período em que passou nos Estados Unidos após perder a reeleição para Lula. Ele também ofereceu um almoço a Bolsonaro e aliados em sua fazenda durante a Agrishow, realizada em Ribeirão Preto, onde foi carregado a tiracolo pelo ex-presidente.
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