‘Foi um grave erro o TSE convocar as Forças Armadas’, diz ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo

Candidato ao Senado pelo PDT, após abandonar o PCdoB, Rebelo teve papel de destaque no governo Lula; ele questiona a inclusão dos militares na fiscalização do sistema eleitoral e não poupa críticas ao ex-presidente: ‘O Lula de hoje é uma incógnita’

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Foto do author Pedro  Venceslau
Atualização:

Depois de presidir a Câmara dos Deputados e ocupar vários ministérios na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Defesa, Esporte e Ciência e Tecnologia - Aldo Rebelo deixou o PCdoB e entrou no PDT, partido pelo qual vai disputar uma cadeira no Senado por São Paulo.

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Na última pesquisa divulgada pela Quaest, ele aparece com 3% das intenções de voto, atrás de Márcio França (PSB), com 29%, Marcos Pontes (PL), com 12%, e Janaína Paschoal (PRTB), com 10%.

Nesta entrevista ao Estadão, parte da série com os principais concorrentes ao Senado, Rebelo, que também foi líder do governo petista na Câmara, adotou um tom crítico a Lula, a quem define hoje como uma “incógnita”: “Você não sabe exatamente o que vem do governo dele. Mesmo em 2003, o grupo que foi conduzir a economia não foi o mesmo que participou dos debates e da formulação do programa econômico”.

Na contramão de boa parte dos partidos de esquerda, Rebelo disse que a agenda identitária “é uma tragédia que divide o povo”. Na condição de ex-ministro da Defesa e de quem mantém boa interlocução com os militares, ele define como uma “comédia de erros” o papel que as Forças Armadas exercem hoje junto à Justiça Eleitoral. “O primeiro grave erro foi o TSE convocar as Forças Armadas. Além de convocar ainda pediu um parecer. Por que colocou o Exército no meio do debate?”, questionou. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O senhor está no PDT do Ciro Gomes. Como avalia essa narrativa dura que ele adotou contra Lula e o PT?

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O Ciro tem uma crítica ao PT cuja origem está na eleição de 2018. As pesquisas indicavam que ele teria todas as condições de ganhar as eleições, mas o PT optou por um caminho próprio de lançar um candidato próprio (Fernando Haddad) que terminou derrotado. E criou-se no País essa situação. Além disso, ele se propõe a ser uma alternativa ao PT. Isso exige que Ciro construa uma opinião muito crítica. No plano econômico há uma posição de conciliação do PT com o sistema financeiro. Ciro também tem uma posição muito crítica em relação à corrupção e à ideia de que a eleição é de rejeições.

O candidato do PDT ao Senado em São Paulo, Aldo Rebelo: "O Brasil hoje com essa agenda de 2003 é uma promessa de crise social, econômica e política". Foto: Marcelo Chello/Estadão

O sr. concorda com essas críticas?

Não na forma, mas em relação à economia eu concordo no conteúdo. No Brasil, você pode construir uma aliança vitoriosa entregando a economia à Faria Lima, as áreas sociais do governo aos grupos identitários e a Amazônia às ONGs, mas isso torna o País ingovernável.

O ex-presidente Lula defende essa agenda?

O Lula, quando venceu a primeira vez, fez um governo de conciliação. Colocou o Henrique Meirelles no Banco Central, o (Antonio) Palocci fez uma agenda próxima à do mercado, e o meio ambiente ele entregou às ONGs. Isso naquela situação tornou o País governável. Mas a situação hoje é muito distinta daquela. O Brasil hoje com essa agenda de 2003 é uma promessa de crise social, econômica e política.

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Confira destaques da entrevista:

O sr. acha então que o Lula de hoje está fazendo uma agenda para a Faria Lima?

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O Lula de hoje é uma incógnita. Você não sabe exatamente o que virá do governo dele. Mesmo em 2003, o grupo que foi conduzir a economia não foi o mesmo que participou dos debates e da formulação do programa econômico. Há quem diga até que o próprio Meirelles foi uma alternativa ao nome do Banco Central que vinha do governo Fernando Henrique e não teria aceitado o convite. Há evidentemente uma aproximação (do Lula) com esse setor das finanças e da Faria Lima. Isso é muito negativo. Temos de conviver com essa agenda, mas não podemos entregar a ponte de comando do navio a esse setor da economia.

Como o sr. avalia as críticas de parte da esquerda ao Ciro e ao PDT por dividir esse campo em vez de compor uma frente ampla contra Jair Bolsonaro?

Dividir o quê? Estamos distantes da eleição. Com o pretexto de que é preciso unir as chamadas forças progressistas, querem tirar do debate o pensamento mais original e contestador, que é o do Ciro. Além de arrogante e autoritário, isso é extremamente nocivo para a sociedade.

Como o sr. avalia a ascensão da agenda identitária na política brasileira?

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Como uma tragédia que tem dividido os pobres, o povo e o País. Na minha juventude entrei em um partido de esquerda que tinha ideologia. Não existe mais a ideologia, o que existe é a biologia. Ideologia é mudar a sociedade para todos. O País está dividido entre pretos e brancos, homens e mulheres e orientação sexual. Ou seja: pelos critérios dos indivíduos e não dos interesses coletivos. Nas batalhas identitárias, os direitos individuais são mais importantes que os coletivos.

Por isso deixou o PCdoB?

Essa foi uma das razões. Eu estava lá desde a minha juventude. Eu via que havia uma crescente tensão em torno dessa agenda com a qual eu não tinha identidade.

O sr. foi ministro da Defesa do presidente Lula. Como avalia a relação que o presidente Jair Bolsonaro tem com as Forças Armadas e o papel que ela cumpre na administração federal? Como era na sua época?

A relação do presidente Bolsonaro com as Forças Armadas desde quando era deputado era carregada de ambiguidade, unidade e conflito. Ele era muito querido pelos soldados, praças, sargentos e taifeiros. Exercia uma espécie de sindicalismo. Mas a relação com a hierarquia era muito complicada. O sindicalismo nas Forças Armadas é incompatível com a hierarquia e disciplina. Depois que Bolsonaro assumiu a função de presidente, ele tentou usufruir do prestígio das Forças Armadas. Não vejo problema em levar militares para o governo. Ele levou gente muito competente, como Silva e Luna, general que foi secretário-geral do Ministério da Defesa no meu tempo. O almirante Bento (Albuquerque) para Minas e Energia, que é um servidor público de alta qualidade. O problema foi tentar usar esse prestígio para fins políticos. Ele chegou a demitir sem razão aparente os três comandantes das Forças Armadas.

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Aldo Rebelo (o segundo da esquerda para a direita), à época à frente da liderança do governo na Câmara, se reúne com líderes de partidos aliados, a cúpula do Congresso e o presidente Lula, no Palácio do Planalto, em março de 2003. Foto: Ed Ferreira/AE

O que achou da entrada dos militares no debate sobre urnas eletrônicas?

Não tem inocente nessa narrativa. Por que o TSE foi convidar as Forças Armadas para se meter em um assunto que não é da sua esfera? Isso nunca foi assunto do Executivo. O primeiro grave erro foi o TSE convocar as Forças Armadas. Além de convocar ainda pediu um parecer. Por que colocou o Exército no meio do debate? Se você convidar o Ministério da Defesa está convidando o presidente da República, que é um desafeto da urna eletrônica. Essa comédia de erros começa com o TSE e encontra um coadjuvante à altura, que é a Defesa.

Vê risco de golpe ou uma situação como a que houve no Capitólio nos EUA?

Não vejo, sinceramente. Quem está interessado em dar um golpe no Brasil? As Forças Armadas? Os meios empresariais? A mídia? A CNBB? A Embaixada Americana? Estou falando de quem apoiou o golpe de 1964. Nenhum deles apoia hoje.

Se for eleito, vai fazer oposição sistemática a Lula ou a Bolsonaro?

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Não faço oposição sistemática a ninguém. Não fiz a FHC, Itamar e Collor.

Existem convergências no discurso do Bolsonaro sobre a Amazônia e o seu?

Claro que sim. A defesa da soberania da Amazônia. Infelizmente as forças progressistas relativizam muito. Tem gente que defende a internacionalização da Amazônia. Tem uma tal de internacional progressista que desembarcou no Brasil. O presidente Bolsonaro percebeu que o discurso de defesa da Amazônia diz respeito aos nacionalistas do Brasil.

O sr. vê mais algum ponto positivo em relação ao Bolsonaro?

Tem de perguntar para o eleitor. Você acha que o presidente tem esse apoio pelo que tem de negativo? O povo não apoia nada de negativo. O Bolsonaro tem esse apoio porque é associado à defesa da família, das cores nacionais, da bandeira, do nacionalismo, verde amarelo e da religião. E o Lula é associado à proteção dos mais pobres.

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Bolsonaro usa a bandeira e as cores do Brasil para fazer campanha. Como nacionalista, o que o sr. acha disso?

Uma tragédia. Acho criminoso um presidente da República usar a data magna do País, que é o 7 de setembro, como um comício da sua facção política. E no outro dia bate continência para a bandeira americana.

Quais serão suas bandeiras e a sua agenda se vencer a eleição para o Senado?

A agenda de São Paulo é a agenda do Brasil. O problema da desindustrialização é do Brasil, mas é de São Paulo. A reforma tributária diz respeito principalmente ao Estado que mais arrecada e paga impostos.

Defende uma reforma tributária?

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Claro que sim. Quando eu era líder do governo Lula fechamos um acordo, mas, por irresponsabilidade de alguns, essa reforma não pode ser votada na sua etapa final. Nós redistribuímos o ICMS, que é o imposto da discórdia.

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