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Opinião | Bolsonaro vai ao front contra STF e defesas tentam fragilizar acusação de golpe de Estado

O ex-presidente dentro da Turma do STF e o PT fazendo transmissão ao vivo do julgamento é parte do show político em que o processo está permeado

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Foto do author Francisco Leali

O julgamento da denúncia do Ministério Público Federal sobre tentativa de golpe de Estado começa com fato inédito. Sentado na primeira fila da plateia da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal está o ex-presidente Jair Bolsonaro. O principal acusado assume, assim, o posto de estar no front contra o STF.

O ineditismo da presença de um acusado na Corte Suprema pode não ter poder para mudar o destino dos votos dos cinco ministros da Primeira Turma. Mas é o recado explicitíssimo de Bolsonaro aos magistrados. É a criação de um fato político para o ex-presidente explorar mais tarde.

Bolsonaro sentado na primeira fila, ao lado de advogados, no julgamento do STF Foto: Reprodução/TV Justiça

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O acusado, dizem os códigos legais, não tem direito a falar na sessão. Quem fala são seus advogados. Se até o fim do dia, Bolsonaro quebrar a regra e ousar fazer um manifesto durante ou ao final da sessão ali dentro da Turma estará produzindo uma cena para usar nas redes. Caso permaneça calado, segue a praxe jurídica, mas ainda assim também cria uma foto e uma imagem de quem poderá dizer que foi lá “olhar no olho” dos seus julgadores.

Bolsonaro dentro da Turma do STF e o PT fazendo transmissão ao vivo do julgamento é tudo parte do show político em que o processo está permeado. Mas seguindo o script formal da sessão, coube às defesas tentar expor as fragilidades da acusação feita pela Procuradoria Geral da República.

Antes dos advogados, falou o procurador-geral, Paulo Gonet. Este seguiu seu estilo discreto e sem hipérboles e malabarismos de retórica. Preferiu resumir o que escreveu na denúncia. Lembrou que os acampados na porta dos quartéis do Exército pediam intervenção militar. E disse que isso era eufemismo para golpe. E apontou os responsáveis para trama que descreveu de um governante que tentou, sem conseguir, manter-se à força no poder.

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“Quando o presidente reúne a cúpula das Forças Armadas para expor planejamento, minuciosamente traçado, para romper com a ordem constitucional, tem-se ato de insurreição em curso”, disse Gonet.

Para contestá-lo, os advogados de defesa se revezaram no púlpito da Primeira Turma. O ex-senador Demóstenes Torres, que atua na defesa do ex-comandante da Marinha Almir Garnier dos Santos, ironizou o fato de seu cliente ter sido apontado como membro de uma organização criminosa e só ter entrado nela no final. E ainda alegou que o almirante ficou calado quando vieram lhe mostrar a primeira chamada “minuta do golpe”. Torres indagou: se ele ficou calado como iria influenciar a tropa? Por telepatia?

Demóstenes Torres foi promotor em Goiás, virou senador da República. No passado, já esteve no posto de investigado. Portanto, sabe as dores de estar sob o peso da lei. Como ex-parlamentar, Torres também sabe o peso político que o caso tem e foi por isso que iniciou sua sustentação, falando da relevância do que está em julgamento. Mas seguiu tratando do que interessa ao seu cliente: dizer que não há prova para atribuir culpa ao almirante. A questão é que há contra o cliente de Torres depoimentos da vontade do então chefe da Marinha de por a tropa na rua para o que fosse preciso.

A defesa do ex-ministro Anderson Torres também foi na toada de dizer que nada há contra seu cliente. Diz que a minuta do golpe encontrada na casa de Anderson Torres é totalmente sem sentido. Mesmo roteiro dito pelo advogado do deputado Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Lá pelas tantas, o advogado foi questionado pela ministra Cármen Lúcia ao ouvir que a Abin teria atuado apenas para fiscalizar urnas, o que não é papel da agência de espionagem governamental.

O advogado José Luiz Oliveira Lima, defensor do general Braga Netto, manifestou sua indignação com os atos de 8 de Janeiro e disse que está ao lado do STF quando o tribunal sofre ataques. Mas reclamou que a defesa está com “olhos cobertos” e culpou a Polícia Federal por despejar 115 mil páginas no processo e de maneira desorganizada.

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Já a defesa de Bolsonaro não foi muito além. Concentrou-se em reclamar que tem direito de ter acesso a todos os documentos da investigação e não teve. E falar de fragilidades da acusação. Apontou ainda problemas da delação premiada de Mauro Cid. Para o advogado Celso Villardi, o acordo deveria ter sido anulado por irregularidades. E insistiu que Bolsonaro cuidou da transição de governo, mesmo tendo viajado para os Estados Unidos para não entregar a faixa ao eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Até aqui, o resumo da primeira parte do julgamento é a esperada tentativa das defesas de desacreditar a denúncia e que parece não levantar nenhuma nuvem capaz de incutir dúvidas na cabeça dos julgadores.

Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Doutor em Comunicação e pesquisador dedicado a temas de transparência pública.

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