Na lista dos indicados para premiações cinematográficas, o filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, ultrapassa as telas. Tem timing político. A produção entrou em cartaz no ano em que o golpe militar completou 60 anos. Neste 2024, também se fala da tentativa frustrada de um grupo de oficiais de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro entronizado, matando o presidente eleito e magistrados da Suprema Corte.
Nos idos da década de 1970, o ex-deputado Rubens Paiva foi preso, torturado e assassinado pelas Forças Armadas. Seu corpo desapareceu. Sua mulher, Eunice Paiva, feita prisioneira em instalação militar, foi jogada numa cela sem saber o destino que já havia sido dado ao marido.
O livro que conta a história, do filho e escritor Marcelo Rubens Paiva, virou filme. Nas cenas da prisão, um diálogo curto, repetido mais tarde inúmeras vezes por Eunice à família, demarcou uma sutil diferença naqueles anos em que não havia eleição para presidente e os militares impunham a força contra quem divergia do regime.
Um soldado da carceragem se aproximou de Eunice. Em uma ocasião lhe deixou um chocolate. Em outra declarou: “Olha, queria que a senhora soubesse que eu não concordo. Só estou cumprindo ordens. Eu não concordo com isso. Isso vai acabar. Um dia, vai acabar”.
Como anota o escritor, a memória da mãe da prisão dá conta de que mesmo na barbárie da ditadura havia quem, vestido de farda, discordasse. No caso ali, era apenas um soldado. Sem voz, sem poder algum.
Passados 60 anos, ficamos sabendo que coronéis e até generais tramaram de novo um golpe. E desenharam um plano de prisão e morte dos seus adversários. Não deu certo e hoje estão acertando as contas com a Polícia Federal.
Sabe-se que o plano esboçado ainda em 2022 não encontrou guarida entre generais do Alto Comando do Exército. Ainda assim, houve comandantes fazendo força para não respeitar o resultado das urnas. Talvez sejam da mesma estirpe daqueles que, em posição antagônica ao soldado carcereiro de Eunice, sonharam que 1964 não poderia ter acabado. Mas acabou.
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