A noite do 8 de Janeiro de 2023 ainda não terminou para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Prestes a completar dois anos desde a invasão e a depredação dos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, o Comando do Exército mantém em segredo a identidade de quem deu a ordem para por blindados no Quartel General naquela noite. O gesto de força impediu que policiais entrassem no setor militar da capital federal para prender os responsáveis pelos atos extremistas.
Na época, os militares fizeram chegar ao presidente Lula que haveria risco de um “banho de sangue” caso a operação fosse à noite. A prisão ficou para o dia seguinte. O local era frequentado por parentes de oficiais, incluindo a mulher do ex-comandante do Exército Villas Bôas. Quando a prisão foi consumada, na manhã do dia 9 de janeiro, na lista de detidos não havia familiares do oficialato.
A voz de comando para levar os blindados para a rua na noite do dia 8 é informação que o Exército prefere não dar. Uma semana após os atos extremistas, foi enviado um requerimento ao Comando, por meio da Lei de Acesso à Informação, perguntando de quem partiu a ordem para uso do blindados. A Força Militar se negou a dizer.
Ainda em fevereiro de 2023, o caso foi parar na Controladoria Geral da União (CGU), instância a quem cabe deliberar sobre demandas de cidadãos que têm seus pedidos rejeitados pelos órgãos do governo federal. A CGU levou nove meses para analisar o pedido, cujo autor era o jornalista Mateus Vargas. Decidiu que o Exército era obrigado a prestar a informação por ser de caráter público. A LAI prevê punição para os casos em que ficar configurado violação da lei com deliberada recusa de dar acesso a informações.
No dia 13 de novembro, o Comando respondeu. Mas não deu nome de ninguém. “Com relação ao acampamento em frente do Quartel-General do Exército, em Brasília, verificou-se que as ações para cumprimento da decisão, naquela noite, poderiam trazer danos colaterais com elevado risco à integridade física das pessoas. Portanto, houve uma reunião emergencial com a participação do Ministro da Justiça e Segurança Pública, do Ministro da Defesa, do Chefe da Casa Civil, do Interventor nomeado do DF, do Comandante do Exército e do Comandante Militar do Planalto para avaliar as condições envolvidas na operação que daria cumprimento à determinação da Justiça. A decisão coordenada foi realizar a desocupação na manhã do dia seguinte, atendendo às determinações contidas no despacho do ministro relator do aludido Inquérito”, diz a resposta.
Para não abrir detalhes da operação, o Exército informou que “depoimentos e documentos correlatos” foram repassados ao STF e que os dados estavam em sigilo. O autor do pedido registrou que a decisão da CGU não tinha sido cumprida já que não fora informado de quem partiu a ordem para usar blindados no QG. A Controladoria reavaliou o caso e deu razão ao demandante da informação.
“Considerando-se que não houve a disponibilização da informação, compreende-se que deve ser acatada a denúncia apresentada pelo requerente, para avaliar se a omissão na entrega das informações foi deliberada e para apurar eventual responsabilidade na condução do cumprimento da decisão, no processo ora em análise”, diz parecer da CGU.
No dia 29 de dezembro de 2023, a secretária nacional de Acesso à Informação, Ana Túlia de Macedo, assinou despacho com a seguinte decisão: “Determino a remessa dos autos ao Centro de Controle Interno do Exército - CCIEx, para que sejam adotadas as providências relativas à apuração de responsabilidade de quem deu causa ao não cumprimento da decisão da CGU, com direito de ampla defesa e de contraditório”.
Apesar da deliberação, o processo ficou parado na própria CGU. E só voltou a andar no dia 7 de outubro de 2024, depois que o Estadão mapeou o caso de descumprimento de decisão pelo Exército e pediu informações sobre se havia sido feita ou não uma apuração para encontrar os responsáveis por violar as regras da Lei de Acesso à Informação. Foi só então que a Controladoria mandou ofício ao general Richard Nunes, chefe do Estado Maior do Exército (EME), com a ordem de apuração de descumprimento de decisão da CGU.
No último dia 26 de dezembro, depois de se negar reiteradamente a esclarecer se cumpriu ou não a determinação da Controladoria, o Exército enviou cópia de um documento com seis páginas com resultado de uma “apuração sumária” sobre o caso. Como se tudo tivesse sido feito em apenas um dia, o documento assinado pelo coronel Marcus Porto de Oliveira, 2º subchefe do EME, reproduz todo o vai e vem do pedido sobre o caso e anota que a CGU ficou com o processo parado até o pedido do Estadão. O oficial alega que tudo foi feito como manda a lei e arquivou o caso também sumariamente.
No mesmo dia 26, apenas duas horas depois de o Exército enviar sua resposta, a CGU já tinha pronto um novo parecer que também arquivava o caso. Ainda que a decisão original obrigasse a Força Militar a revelar quem dera a ordem do uso de blindados na noite do dia 8 de janeiro de 2023, a Controladoria deu o assunto por encerrado. A CGU seguiu entendimento de que não poderia abrir uma sindicância ela mesma, como ocorre com servidores civis. A informação sobre o oficial que mandou por blindados no QG não foi divulgada.
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