A tarde caía no prédio da Advocacia-Geral da União (AGU) na última terça-feira, 23, quando o chefe da pasta, Jorge Messias, assinou documento de oito páginas despachado imediatamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). A AGU do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolhia ali dar o primeiro passo para tentar transformar em crime a divulgação de informações sigilosas da Justiça.
O gesto endossado por Messias vem como desdobramento do embate patrocinado pelo bilionário Elon Musk, dono do X e da Tesla, que decidiu eleger o STF e seu ministro Alexandre de Moraes como inimigos públicos da liberdade de expressão.
Na esteira da falação de Musk, um jornalista dos EUA postou em sua rede social documentos internos do X, antigo Twitter, que mencionam decisões do Judiciário brasileiro. No meio dos papéis, algumas decisões do Tribunal Superior Eleitoral, outras do Supremo e despachos de Moraes. Como parte dos atos do magistrado está em processo que tramita em sigilo, a AGU viu crime na divulgação.
A advocacia governamental tomou partido do Judiciário brasileiro. Mas seu alvo, lendo o tal documento de Messias, parece outro. Cita como notícia de fato supostamente criminoso a postagem do jornalista. Dito de forma mais clara, o advogado-geral do governo Lula considera delito passível de punição com cadeia expor um documento de processo judicial sob sigilo.
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Messias chega a alegar que o ato pode ser entendido como uma “tentativa de desestabilizar o Estado Democrático instituído pela Constituição da República Federativa do Brasil de1988″. O jogo de palavras tem lá seu objetivo jurídico. Manter o caso com o próprio Moraes que investiga tentativas de golpe de Estado.
A peça que a AGU move, no entanto, vai na direção de criminalizar qualquer jornalista que tornar público um documento sigiloso. Ainda que se saiba que investigações são sempre feitas na penumbra para não alertar o bandido, despachos de ações ostensivas costumam ser públicos. Vez em sempre, o dono da investigação ou quem a ela tem acesso, vaza conteúdos que viram notícia. E o guardião do sigilo não é o jornalista.
O argumento de que é crime divulgar segredo de Estado é o oposto do que o jornalismo promete ser. Do contrário, rasguem-se os mais valorosos exemplos que a história da imprensa reúne.
Na década de 1960, no mais clássico dos casos, o New York Times divulgou os chamados Papéis do Pentágono, uma série de documentos secretos do governo dos EUA mostrando que a população daquele país vinha sendo enganada sobre o que se passava na guerra do Vietnã. O caso foi parar na Suprema Corte de lá e a decisão fez prevalecer a liberdade de imprensa.
Na época, a filósofa alemã Hannah Arendt registrou que a ação dos jornalistas ao divulgar os Pentagon Papers havia exposto a mentira do Estado. “Na medida em que a imprensa é livre e idônea, ela tem uma função enormemente importante a cumprir”, escreveu.
Por aqui, ainda que Messias não tenha declaradamente apontado sua caneta para os jornalistas de um modo em geral, ao mirar num só, parece flertar com risco de perseguição similar a todos os demais.
Nos idos de 2004, o governo Lula 1 esboçou expulsar do País o jornalista Larry Rohter. Depois que ele publicou reportagem no NYT vinculando o presidente brasileiro ao hábito da bebida, o gestão petista gastou dois dias para decidir o que fazer e deliberou por cancelar o visto do profissional, o que o obrigaria a deixar o Brasil. O ato perpetrado pelo governo foi barrado por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Os casos não são semelhantes no conteúdo do que foi publicado por ambos profissionais, mas indicam uma inclinação comum para mirar no autor da notícia que incomoda.
O jornalista que tuitou sobre TSE e Moraes recebeu de presente documentos sigilosos e os expôs. Ainda que possa ter intenções outras, apenas o fato de divulgar papéis com selinho de secreto não deveria servir de motivo para o aparato do Estado armar-se contra o redator.
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