A arquitetura do poder diz muito. A posição em que as figuras estão dispostas no sítio é simbolismo explícito. O desfile de 7 de Setembro em Brasília neste sábado cumpre um roteiro antecipado por Vera Rosa, no Estadão. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi convidado para a festa. Postou-se junto com a mulher na primeira fila no palanque das autoridades.
Para quem não está acostumado às questões do cerimonial brasiliense, vale explicar: a primeira fila segue, teoricamente, o princípio da hierarquia e relevância dos postos que as autoridades ocupam. Assim, ali no melhor lugar do palanque estão bem ao centro o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Ao lado dele, seu vice Geraldo Alckmin. E dispostos, um de cada lado dos dois os presidentes do Poder Judicário, Luis Roberto Barroso (STF), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ao lado de Barroso, como uma figura cujo posto atual não justificaria a posição vip, está justamente Alexandre de Moraes. É como dizer que o ministro do STF também está a presidir um poder, seja ele qual for. Se fosse seguida a lógica, Moraes tinha que estar nas filas mais atrás, posição onde se pode ver colegas de Corte como Gilmar Mendes e Cristiano Zanin.
Mas neste sábado, está ali a gestão petista colocando Moraes como um dileto convidado, pessoa sobre a qual o governo Lula, organizador da festa, declara, sem palavras, que tem todo seu apoio. A solidariedade política vem no mesmo dia em que o ex-presidente Jair Bolsonaro organiza ato na Paulista para pedir o impeachment do mesmo Moraes sob a justificativa de que ele abusa do poder. O ministro é aquele que tirou do ar o X (antigo Twitter).
O gesto do governo de Lula traz à celebração deste Dia da Independência um outro ponto. A cerimônia reúne civis e militares, mas é eminentemente uma parada das Forças Armadas. Basta contar quantos da caserna e quantos civis passaram em frente ao palanque de Lula e Moraes.
Tem-se, então, que o presidente civil, ao dispor o ministro do STF na linha de frente, leva uma questão política para evento cercado de fardados. Como estamos em tempos democráticos, a festa é de todos e misturar um assunto com outro, a princípio, não é um erro. Mas as Forças Armadas são instituições com gente ainda melindrada pelo que se passou nas eleições e também no 8 de Janeiro do ano passado.
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Pode haver entre os militares algum desconforto de ter que desfilar ali para Moraes, o ministro que, na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), barrou tentativas do então ministro da Defesa e de um grupo de oficiais de estimular dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas.
Lula então não deveria ter levado Moraes ao 7 de Setembro? Quem tem percepção mais ortodoxa da política deve acreditar que seria mais prudente não provocar um subordinado ainda reticente, como parte dos militares em relação ao petista. Mas o presidente da República respira política até quando posta vídeo falando da fruta que colhe no jardim do Alvorada. E, para se contrapor a Bolsonaro, deve ter avaliado deixar claro que, enquanto o antecessor grita na Paulista, Lula se posta sob olhares militares tratando Alexandre de Moraes como parte do grupo que hoje dá as cartas.
Em outros tempos, um presidente preferiu não misturar os canais. Fernando Henrique Cardoso assumiu o poder em 1995, dez anos depois do fim da ditadura militar. Buscou não impor às Forças Armadas temas civis. Na época, a ideia era manter os militares fora da política.
No 7 de Setembro, o tucano inventou um novo formato. Até aquela época, a cerimônia era comandada apenas por militares. O desfile acontecia no Setor Militar Urbano. E o presidente da República se deslocava até eles, e não o contrário, para participar da solenidade.
Para não melindrar os militares, mas dar o recado de que seu governo pensava diferente, Fernando Henrique criou uma segunda celebração do 7 de Setembro. Terminado o desfile militar, ia para o Alvorada e nos jardins do Palácio celebrava-se como também civil a data. Na primeira edição dessa festa dupla, o presidente foi ao QG do Exército, em 1995. Depois no Alvorada, anunciou a criação de um prêmio de direitos humanos. No ano seguinte, levou o Olodum para tocar tambor nos jardins palacianos e contou que estava enviando projeto ao Congresso para criar sistema de controle de posse e porte de armas.
O tempo passou e, na gestão Lula 1, o petista quis reunir todo mundo numa festa só na Esplanada dos Ministérios. Hoje, estão todos lá, seguindo o mesmo modelo lulista. A diferença é que o homenageado principal é Xandão.
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