A eleição venezuelana não terminou. Ainda que o presidente Nicolas Maduro já tenha sido entronado de novo no poder, o resultado da votação anda por aí sendo questionado dentro e fora da Venezuela. Episódios recentes da disputa eleitoral do país vizinho flertam com uma aparente similaridade com a política brasileira. Lá como cá houve quem pedisse socorro às Forças Armadas para impedir a posse do suposto eleito. Lá como cá, questionou-se o resultado oficial por alegada falta de confiança no juiz da disputa.
Antes de os venezuelanos irem votar, Maduro foi comparado a Jair Bolsonaro, que não gostou. O líder latino questionou a legitimidade do sistema de votação do Brasil, coisa que, entre os dentes, o ex-presidente brasileiro e seus seguidores ainda repetem.
Mas Maduro não é Bolsonaro. Ainda que o ditador venezuelano e o capitão destronado possam gostar de impor sua vontade acima de tudo e de todos, o primeiro, até onde se sabe, manda e desmanda na justiça eleitoral do seu país. Bolsonaro não.
O ex-presidente até tentou usar os militares para por em dúvida as urnas eletrônicas e não se furtou em fazer ataques ao TSE e ao Supremo Tribunal Federal. Em uma das investigações em curso, descobriu-se que seus assessores mais próximos, com seu aval, elaboraram um ato para destituir a Corte eleitoral, prender quem estava pelo caminho e impedir a posse do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
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Mas Bolsonaro acabou se mostrando o político do crime tentado e não consumado. Na hora do golpe, amarelou. O apoio das Forças Armadas não veio. Nações do hemisfério Norte também não ajudaram. Pelo contrário, os Estados Unidos mandaram, entre 2021 e 2022, um militar atrás de outro ao Brasil para avisar que os EUA respeitavam as instituições eleitorais brasileiras e seus colegas de caserna daqui, incluindo o presidente da República, deveriam fazer o mesmo.
A oposição venezuelana e boa parte dos países democráticos exigem a divulgação das atas de votação. O documento seria a prova que falta para mostrar que a contagem de votos divulgada pela justiça eleitoral daquele país está fraudada. Por aqui, esboçou-se um levante contra o voto eletrônico sem registro impresso. Com o PL saindo da eleição com a maior bancada da Câmara, ter um coro reclamando da urna que serve para uns, mas não serve para Bolsonaro, contribuiu para desmoralizar a pseudo-revolta.
As tais atas só podem ser comparadas às urnas brasileiras porque quem perdeu quer uma auditagem. Ainda que legítimo, o pleito da oposição venezuelano não guarda relação com o código fonte do aparelho do TSE. O equipamento é posto à prova antes de todos os pleitos e, apesar da gritaria, não se encontrou nada que o desabone até agora. Já as atas são papel e, a essa altura, os documentos reais podem ter sido remontandos ao gosto do vencedor.
Quanto ao presidente Lula, a Venezuela segue sendo um calo seu. Na última semana, bolsonaristas fizeram recircular um vídeo do petista, em 2013, época em que usava só bigode. Naquele ano, Lula gravou vídeo pedindo apoio a Maduro, descrito pelo brasileiro como legítimo discípulo do chavismo.
Diante da suspeita de fraude eleitoral do vizinho, Lula fez um primeiro gesto de não reconhecer formalmente a posse. Coube a seu partido, o PT, cumprir as honras da casa. Depois, ao dar a confusão eleitoral ares de normalidade, o petista retomou a postura de aliado do chavismo, hoje, personificado em Maduro. Essa posição, em algum momento, pode até ter parecido que iria mudar. Mas, de fato, não mudou.
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