O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, está sendo acusado por uma ONG de ter praticado assédio contra servidoras da Pasta. A ONG divulgou uma nota justificando que a exposição do caso, ainda que sem provas, pode estimular novas denunciantes. Quem é da área de direitos humanos, como Almeida, sabe que casos de assédio sexual são difíceis de denunciar, mais ainda de provar.
Também se sabe que uma vez jogada na lama, a reputação do acusado dificilmente se recupera. Mesmo inocentado, sempre haverá quem levante dúvida sobre a seriedade da investigação e do julgamento.
O relato da ONG fala em denúncias formuladas por servidoras ou ex-servidoras do Ministério. Não cita nomes, não dá detalhes, mas informa que elas teriam autorizado a divulgação de que há uma acusação feita. Coube ao site Metrópoles tornar público o caso com um adendo que transforma o caso de polícia em política: a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também teria sido uma vítima de assédio.
Dentro do Planalto, noticiou o Estadão, tem gente que diz ter ouvido a história envolvendo os dois personagens: Anielle e Almeida. O relato ainda dá conta de que vários integrantes do governo tiveram conhecimento do caso que só não teria transbordado por que a ministra não quis formalizar a queixa.
Se de fato que tudo isso ocorreu, deve-se compreender que não se pode cobrar da vítima coragem para tratar disso em público, mais ainda expor as entranhas de colega ministro do governo em praça pública. Anielle permanece em silêncio sobre o caso e deve-se considerar que dela não se pode cobrar, em sendo vítima, o protagonismo de uma denúncia. O silêncio é direito só dela. Mas, vindo o caso a público, joga sobre o presidente Lula e até mesmo sobre sua mulher Janja, o dever de não se esconder.
Todos os personagens citados acima declaram-se defensores de direitos humanos. Janja, especialmente, milita pelos direitos das mulheres e não se esperaria dela e também do marido que condescendessem com relatos de assédio no Executivo, ainda mais se a acusação recai sobre um ministro.
Se souberam de tudo mesmo antes do caso vir a público, temos aqui uma crise que poderia ter sido debelada antes de virar escândalo. Em julgando ser verdade, talvez fosse o caso de uma conversa direta com Anielle. Se não com Lula, pelo menos com Janja, ainda reservando à ministra o direito de silenciar. Só que o silêncio dela não pode ser a medida ou justificativa para o governo nada fazer. Dali em diante, o caminho seria chamar o ministro, ouvir seus argumentos e, por conta de todo o histórico e contexto de casos de assédio, pedir a ele que se afastasse do cargo.
Mas tem ainda o outro lado da história. Silvio Almeida afirma que tudo é falso. Em uma longa nota, o ministro se disse vítima de uma acusação sem provas. Ele também gravou um vídeo postado em sua rede social. Em nenhuma das manifestações cita a colega de governo. Parece referir-se apenas à acusação da ONG. Na manhã desta sexta-feira, o Ministério dos Direitos Humanos tornou pública informação de que a organização que acusa o ministro estaria envolvida em tentativa de moldar um edital de licitação milionária. Diz ainda que a Pasta, depois de barrar o pedido da ONG, passou a ser alvo de denúncias anônimas de assédio.
A energia que o ministro está gastando para enfrentar a perseguição que diz estar sofrendo poderia ser poupada. Em sendo tudo falso como diz, bastaria expor tudo a Lula, Janja e quem mais do governo lhe procurasse e quem sabe até esperar por uma solidariedade de Anielle. A ministra, no entanto, seguiria tendo o direito de não se envolver.
Os primeiros movimentos do governo após a denúncia se tornar pública não são boa notícia para Silvio Almeida. Na noite de quinta-feira, 5, enquanto depois de ele postar um vídeo dizendo que as acusações são forjadas, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República divulgou nota sustentando a “gravidade das denúncias”. O contrário do que o ministro de Lula sustentou. A mesma nota do Planalto informou que Almeida fora convocado a se explicar para dois ministros do governo. Uma investigação foi instaurada. A Polícia Federal também entrou no caso.
Na madrugada desta sexta-feira, um novo movimento ainda que no campo apenas do simbolismo que guarda. Janja publicou, em uma rede social, uma foto onde aparece beijando a testa da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. A imagem não tem legenda, nem áudio. Um beijo e o silêncio.
O governo Lula, diante do escândalo público, parece estar se movendo para se livrar da difícil posição em que o caso todo lhe coloca. Na cartilha não escrita das regras da corte brasiliense, quando o Planalto diz que tem algo grave contra um ministro seu e abre investigações, mesmo que o ministro jure inocência, está indicando a porta de saída.
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