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A política sem segredos

Opinião | Onde foi parar a promessa de Lula de fazer tudo diferente de Bolsonaro

Petista jurou que revisaria atos do ex-presidente, mas em relação à transparência sua gestão ainda está devendo

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Foto do author Francisco Leali

Vez ou outra o vulgo pronuncia a máxima de que, na política, são todos do mesmo saco. Ainda que a sugestão de uma certa similaridade pareça em alguns momentos forçada e até simplista, há situações em que são inevitáveis.

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Quando deslizava no palco dos debates televisivos nos embates cara a cara com Jair Bolsonaro, o petista Luiz Inácio Lula da Silva prometia desfazer tudo o que o então presidente tinha feito de errado. Foi assim que cunhou a frase de que, se eleito fosse, revelaria todos os segredos que Bolsonaro escondia. Vão-se oito meses de governo e é a gestão petista que tira proveito de atos do antecessor para também se esconder.

Os petistas sucederam uma gestão que estimulou discursos golpistas e se depararam com os ataques de extremistas em 8 de janeiro. Botaram um freio no acesso às armas e até mesmo revogaram alguns casos de 100 anos de sigilo. Mas, nos escaninhos do poder, a máquina federal dá mostras de que certos hábitos da gestão Bolsonaro ainda são bem-vistos e repetidos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro durante debate da Rede Globo Foto: Reprodução/TV Globo

No governo passado, coube à Controladoria Geral da União (CGU) editar decisões garantindo sigilo dos documentos enviados ao presidente da República com orientações sobre veto ou sanção a projetos aprovados pelo Congresso. Também na gestão que se encerrou em 31 de dezembro de 2022 consolidou-se o entendimento de que pareceres produzidos pela área jurídica dos ministérios devem ficar protegidos. Ou melhor, longe do alcance de qualquer cidadão.

Numa ginástica argumentativa defendida pela Advocacia Geral da União (AGU) entendeu-se que os consultores jurídicos dos ministérios e da Presidência da República mantinham com o governo uma relação “advogado-cliente”. Portanto, tudo o que produziam precisava ficar em sigilo.

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O novo entendimento botava por terra o princípio da máxima transparência prevista na Lei de Acesso à Informação (LAI), em vigor desde maio de 2012. A CGU pré-Bolsonaro costumava avaliar que esse sigilo de advogado não combinava com a necessidade de dar publicidade a todos os atos do governo.

Iniciada a gestão petista, o segredo defendido na gestão Bolsonaro parecia ter vida curta. Era promessa de Lula acabar com os abusos e desvios na interpretação da LAI. Mas não é o que está acontecendo, pelo menos até o momento.

Ministério da Fazenda, Casa Civil e Ministério da Saúde têm reiteradamente se recusado a prestar informações. Procuradas por cidadãos com pedidos de acesso aos documentos produzidos para embasar atos do governo, as pastas se negam a fornecer os pareceres jurídicos produzidos. Esses documentos costumam revelar eventuais erros na elaboração de projetos e decretos e podem expor fragilidades na tomada de decisões políticas pelo governo.

Documento tarjado pelo Ministério da Fazenda Foto: Reprodução / Estadão

A imagem que antecede este parágrafo é uma amostra do que o Ministério da Fazenda faz para esconder o que ouve da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os trechos tarjados são as ponderações feitas pela área jurídica. Ao negar acesso a esses documentos, a pasta do ministro Fernando Haddad repete a gestão Bolsonaro. Cita casos analisados no governo passado e lista decisões tomadas pela CGU na Era Bolsonaro.

Na Casa Civil, de Rui Costa, e na Saúde, de Nísia Trindade, não foi diferente. A primeira usa como justificativa para barrar acesso a pareceres jurídicos um documento produzido em 2020 pela CGU de Bolsonaro. Já a Saúde sustenta o mesmo argumento e cita que já há até uma decisão do Tribunal Regional Federal de São Paulo autorizando o governo a manter esse tipo de documento em sigilo. O Ministério da Saúde faz referência a uma ação movida pela Transparência Brasil contra decisões do governo Bolsonaro que impediam acesso a documentos jurídicos produzidos pelo governo. A ONG conseguiu uma liminar na Justiça Federal, mas a decisão provisória foi cassada pelo TRF. A Transparência Brasil recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e aguarda decisão.

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Enquanto o Judiciário não se posiciona definitivamente, o governo Lula teria espaço para resolver de forma mais rápida o tema. Com poder previsto em lei para rever esses sigilos e determinar a todos os ministérios que entreguem os documentos sem inventar segredos onde não há, a Controladoria Geral da União da gestão petista ainda não se pronunciou. Na fase da transição, um relatório produzido por uma equipe que hoje está no comando da CGU sinalizou que esses temas poderiam ser revistos, caso a caso. Até agora, no entanto, seguem vigorando na administração petista a forma de criar segredos disseminada pela gestão Bolsonaro.

Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública.

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