A mais recente tentativa da oposição de por para votar um projeto que patrocina a anistia aos presos do 8 de Janeiro põe sobre a mesa um amontoado de benefícios. Se era para mirar só nos ditos homens e mulheres de bem detidos sob as ordens do Supremo Tribunal Federal (STF), o texto parece ir muito além.
No afã de usar o projeto como moeda de troca na disputa pela presidência da Câmara, a bancada bolsonarista emendou e remendou seis projetos e deu origem a uma nova criatura. O resultado, como mostrou o Estadão, surpreendeu juristas. O motivo principal aparece logo na ementa do projeto. Lá a proposta está assim resumida: “Concede anistia a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional do dia 08 de janeiro de 2023 ao dia de entrada em vigor desta Lei, nas condições que especifica”.
Ou seja, estão perdoados os crimes cometidos por motivação política daquele domingo de barbárie na Praça dos Três Poderes até um futuro incerto, já que o projeto ainda precisa passar pelo crivo da Câmara e depois do Senado e ir à sanção do presidente da República.
Se a intenção do projeto estiver sendo bancada por toda a oposição, tem-se, então, o entendimento de que outros crimes cometidos por pessoas sob a alegada motivação política estarão também protegidos pela proposta até sabe-se lá quando.
É como se amanhã ou depois de amanhã um grupo se reunisse para reeditar o 8/1 e, de novo, invadir e depredar o STF, ou outro prédio público e estaria tudo perdoado de antemão.
Leia também
Qualquer cidadão deve ter o direito de protestar contra o preço da picanha, contra as censuras impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e contra a decisão judicial que tornou Jair Bolsonaro inelegível. Mas o que o texto do projeto trata é de outra esfera. Indulta o crime de 2023 e projeta um perdão futuro sabe-se lá para que conduta.
Imagina-se que essa não seria a intenção original da proposta. Os discursos são todos para tentar livrar da prisão e das condenações os extremistas do 8 de Janeiro. Esta semana, o líder do União Brasil, deputado Arthur Maia (BA), foi na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pedir uma certa temperança aos defensores do projeto que está ali para ser votado. Declarou-se ele eleitor de Bolsonaro em 2022 e, portanto, derrotado na disputa presidencial. Mas avisou que o texto estava abrangente demais e era preciso dar tempo ao tempo para ajustá-lo aos seus propósitos.
Para adoçar os ouvidos dos bolsonaristas, criticou as penas impostas nos votos do ministro Alexandre de Moraes e disse que também não viu tentativa de golpe, mas uma baderna criminosa que deve ser punida como esse delito e não um atentado à democracia.
Mesmo assim, os ânimos são no sentido de tentar votar o quanto antes. Há quem veja na pressa a intenção de agradar mais gente do que somente os réus no STF. Bolsonaro também é investigado e pode ser condenado criminalmente na Corte por insuflar os atos. Torna-se, portanto, um anistiado em potencial.
Eventualmente, pode-se considerar que o texto do projeto, do tamanho que está, faça parte da velha estratégia de pedir muito para, após alguma negociação, levar pelo menos um pouco. Se do saldo da pressão bolsonarista resultar em proposta que anistie penas e encaminhe os casos para a primeira instância do Judiciário julgar, a alternativa pode agradar não só os detidos, mas até mesmo setores do meio jurídico que, mesmo de maneira não ruidosa, discordam da decisão do STF de manter-se como o senhor de todos os processos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.